domingo, 27 de novembro de 2016

Reflexão a respeito da Cannabis, e sua relação com as Redes Sociais.

ATENÇÃO - o artigo a seguir trata de um assunto polêmico, e tem por finalidade fazer o leitor refletir, através da crítica. Caso o leitor não goste de refletir, de encarar os fatos através dos mais variados ângulos, e de desafiar o status quo imposto pela sociedade, recomenda-se que pare de ler por aqui..

E se o leitor tiver preguiça de ler, considere o vídeo
 

Muito grande é o espaço que a cannabis está tomando na sociedade moderna, o que causa muito espanto em muita gente… o que causaria mais espanto porém, é o fato desse espaço já ter sido muito maior.

Há quem pense que a maconha (como é chamada a “droga” que se obtem da planta cannabis sativa/indica) é algo novo, surgido no século XX para zumbificar adolescentes e transformá-los em comunistas. Há também quem “deusifique” a planta achando que sua legalização resolveria todos os problemas do mundo. Por que esses pensamentos? Qual a origem dessas opiniões?

Mas o que é de fato a cannabis? E porque ela é tão polêmica? E o que isso tem a ver com Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Redes sociais e tecnologia?

Vamos chegar lá..

“O cânhamo é uma planta dióica que possui exemplares fêmeas ricos em THC e exemplares machos abundantes em fibra, mas desprovidos do princípio psicotrópico,..,O THC é praticamente inexistente nas folhas, as quais, contrariamente à crença popular, não são usadas para se obter o fármaco vegetal, que, por sua vez não é um alcaloide” (VIDART, Daniel. Marihuana, la flor del cáñamo: un alegato contra el poder, 2014, pg )

Notamos então algumas coisas importantes, primeiro que THC não é um alcalóide, o que por si, já significa muita coisa. Já o põe em outra categoria de substâncias, ou seja, nada tem a ver com as drogas mais conhecidas: cafeína, cocaína, pilocarpina, papaverina, morfina, heroína, codeína, psilocibina, etc.

O fato de não ser um alcalóide já enfraquece o argumento de que a maconha é a porta de entrada para outras drogas, uma vez que a maconha causa efeitos muito diferentes das demais. Muitos outros argumentos refutam essa idéia, e inclusive alguns estudos dizem provar que a única porta que a cannabis abre é a da geladeira, mas a intenção aqui não é provar nada, e sim fazer o leitor refletir, como já dito.

Podemos notar também que o fármaco usado como “droga” (e substância ilícita mais consumida no mundo) é exclusividade da inflorescência na planta feminina. Ou seja, a “droga” nada tem a ver com a planta macho, que é fonte de uma fibra vegetal de qualidade incomparável. Contudo, a proibição americana à cannabis (proibição essa que influenciou todas as demais), não se restringe ao fármaco obtido da flor da planta fêmea. É uma proibição geral.

E é aí que as coisas começam a (não) fazer sentido.. Por que proibir uma planta de existir? Por que não proibir somente a substância que é considerada (erroneamente) droga? Será que a proibição tinha como objetivo proteger as pessoas da droga, ou será que existia alguma outra motivação mais obscura?

Para responder essas questões, primeiramente vamos mostrar as várias formas de uso da planta e em seguida analisar como se deu a proibição da cannabis.

Daniel Vidart, em seu livro “Marihuana, la flor del cáñamo” (livro que mais me baseei para escrever o presente artigo), nos apresenta três tipos básicos de uso:
    a) uso ritual, mágico e/ou religioso

Como na China antiga, quando os curandeiros misturavam magia com medicina, e usavam talos de cannabis para realizar benzeduras (nesse caso o que predomina é a manobra mágica e não o uso terapêutico).
Ou na Índia, que a cannabis é considerada uma planta sagrada (originada da saliva de Shiva) e usada para preparar o “bhang” - um chá tido como “fonte de risos e felicidade”. Os Vedas (livros sagrados) dizem “os deuses tiveram piedade e presentearam os homens com a ganja, para que ao utilizá-la consigam inspiração, não tenham mais medo e aumentem sua potência sexual”.
Não só no hinduísmo a planta tem relação com o divino. No Budismo, também a planta aparece. Diz a lenda que, Buda, quando em retiro espiritual na floresta, alimentou-se apenas de sementes de cannabis.
No Zoroastrismo, religião muito antiga de origem Síria que influenciou todas as demais na região da mesopotâmia e mediterrâneo , o “bhanga” era considerado um meio de contemplar os deuses.      
O Alcorão, bíblia árabe, condena o uso do álcool, mas nada diz a respeito da cannabis
Também na Africa, muitas tribos e povos usavam da cannabis (riamba, diamba) para rituais religiosos, essa cultura foi levada para o "Novo Mundo" juntamente com o trabalho escravo.
Na Jamaica surge o Rastafarismo, religião que usa a cannabis em rituais religiosos e recreativos e acreditava que o imperador Haile Selassie, da Etiópia, era a terceira reencarnação de Yaveh (Deus).
Na América do Norte surge o movimento “Christian for cannabis” (cristãos pela cannabis), que exalta em seu manifesto as bondades da maconha, acreditam que as leis que proíbem a posse, o uso e o cultivo da planta são imorais e injustas, e que a cannabis é a árvore da vida descrita em gênesis.

b) uso terapêutico

O uso terapêutico é tão antigo quanto o religioso. A história conhecida do uso terapêutico começa na China.

“Quase três mil anos antes de nossa era se publicou na China um herbolario em que se elogiava as virtudes curativas da cannabis,..., se destacava ali os seus bons efeitos em tratar a prisão de ventre; gota e outras moléstias provocadas pelo reumatismo; o beri-beri; as dores menstruais; a malária; diarréia; e, no plano psíquico, “as distrações” ou “ausências mentais”” (VIDART, Daniel. Marihuana, la flor del cáñamo: un alegato contra el poder, 2014, pg 131)

A importância da cannabis na China foi tão grande, que os chineses chamavam seu país de “terra da moral e do cãnhamo”
No ano 220 da nossa era, o cirurgião Hua Tuo, usava a cannabis em uma mistura que servia de anestésico aos seus pacientes.
Acreditava-se que a cannabis aumentava o chi interior das pessoas, estimulava a circulação sanguínea, detinha o envelhecimento, concedia forças aos paralíticos, e melhorava a secreção do leite materno.   
Na Índia, através do uso do bhang acreditava-se que tinha propriedades ansiolíticas e antipiréticas, curava diarreia e acrescentava agilidade e criatividade à mente.
Os assírios e babilônios, herdaram a sabedoria suméria que usava um tipo de cerveja com cannabis, para tratar de dores menstruais, além de recorrer a banha-pés e enxague de mãos com líquidos feitos a partir das flores da cannabis para tratar de uma série de enfermidades relacionadas à pele.

“Se nos movermos ao mundo clássico podemos comprovar que os famosos médicos Dioscórides (ano 80 de nossa era) e Galeano (129-201 de nossa era) prescrevem o uso do suco de cannabis para combater flatulência, e dor de ouvido. E quanto ao ardor sexual os dois sábios discordavam. Dioscórides afirmava que era anti-afrodisíaco e Galeano o contrário.
(VIDART, Daniel. Marihuana, la flor del cáñamo: un alegato contra el poder (2014), pg 133)

Na medicina Árabe e na da Índia muçulmana, a cannabis era usada para a extração do haxixe, que por sua vez, era usado para tratar gonorreia, diarreia, asma, etc, e também como analgésico e estimulante de apetite.
Durante o século XVIII muitos medicamentos eram feitos a partir da cannabis, eles eram preferidos aos opiáceos justamente por não terem efeitos secundários fortes e desagradáveis.
A partir de 1937 a cannabis teve o uso terapêutico proibido, assim como qualquer outra forma de uso, muito estranhamente. Não para a sociedade da época hipnotizada pela propaganda produzida por hollywood obviamente.
Abaixo a lista que figura nas páginas do “Manual Médico de la Marihuana” escrito por Rosenthal, Gieringer e Mikuriya a respeito dos usos medicinais da planta:
  • Antiemético e estimulante de apetite
  • Efeitos anticonvulsivos
  • Epilepsia
  • Esclerose múltipla
  • Lesões na medula espinhal
  • Outros transtornos de movimento e espasmos musculares
  • Câimbras mentruais e dores do parto, câimbras intestinais, síndrome de tourette, distonias, envenenamento causado pela viúva negra
  • Redutor da pressão intraocular
  • Glaucoma
  • Broncodilatador para asma
  • Analgésico e anti-inflamatório
  • Artrite e reumatismo
  • Aplicações psicológicas
  • Depressão clínica
  • Ansiolítico
  • Insônia
  • Alcoolismo e dependência a outras drogas
  • Antibiótico
  • Antitumoral


c) uso recreativo:

Atualmente a cannabis é a substância ilegal mais usada no mundo. A maior parte desse uso é recreativo, as pessoas usam geralmente para se divertir. Mas a tendência é que isso mude. Primeiro porque muitos países já estão em processo de rever a política adotada em relação à planta, de modo que a regulação tem se tornado uma possibilidade real em todo o mundo. E segundo que os países que descriminalizaram a planta observaram uma pequena redução no consumo, como é o caso de Portugal e Holanda. Além disso, o uso medicinal e religioso vem crescendo, muitas das pessoas que usam recreativamente não fazem nem ideia das propriedades terapêuticas, nem das ligações que a planta tem com a origem de boa parte das religiões que conhecemos.


Segunto VIDAL (2008) a planta é usada em países da África e da Ásia há mais de 10000 anos, tanto por suas propriedades psicoativas, quanto por suas potencialidades medicinais e nutricionais, e até potencialidade de suas fibras têxteis.

Ou seja, além dos usos apontados por VIDART, pode-se notar também o uso industrial da fibra do cânhamo, uso esse que nada tem a ver com o fármaco, mas tudo a ver com a proibição da planta pelos EUA no século XX.

As fibra do cânhamo, eram a principal matéria-prima no mundo para a produção de papel (a constituição americana original foi redigida em papel de cânhamo), para a produção de cordas, cordames, velas (As velas das frigatas e náus, que chegaram às Índias e Americas, eram feitas de cânhamo), para a produção de roupas (tão resistentes quanto nylon), e para a produção de plástico biodegradável.

Interessante notar que uma única planta se tornou matéria-prima barata e de qualidade para uma série de indústrias. Em especial para a indústria química, que no início do século XX tinha recém descoberto o nylon, o processo de fabricação do plástico a partir do petróleo, o processo de branqueamento e de transformação do papel feito de grandes árvores (pinhos, eucaliptos, etc). Outro ramo industrial que cresceu vertiginosamente nesse período foi a indústria farmacêutica.    

É bom lembrar que nessa época não existiam ainda muitas organizações/agências antimonopolistas, ou seja, os grandes industriais monopolizavam enormes mercados sem dificuldade, e geralmente a mídia também. A mídia escrita era dominada pelos produtores de papel, e esses produtores eram donos de imensas plantações de árvore para a fabricação de papel no México. Esse cenário era perfeito para alienar a opinião pública a respeito de uma planta que causaria uma concorrência muito grande à esses industriais. Usaram então da alienação através dos jornais e filmes, e do preconceito para com imigrantes (latinos e negros), visando demonizar o fármaco, e conseguir através disso a proibição da planta.

Ao perseguir uma planta e todos seus usuários, o estado americano conseguia em nome da guerra às drogas, criminalizar os pobres (em geral negros e latinos) e lucrar com a privatização dos presídios.
Segundo David Southwell, em “A História do Crime Organizado” (2013):
“A história do crime organizado também nos mostra que existem três fontes básicas e recorrentes do crime - pobreza, proibição e pura ganância humana” (SOUTHWELL, David. A História do Crime Organizado: os segredos e o código de silêncio das mais poderosas organizações criminosas foram, finalmente, quebrados, 2006, pg 7)

Juntando a ganância dos industriais que proibiram a maconha, a própria proibição em sí, e a pobreza dos imigrantes que além de serem tratados como animais aos olhos da sociedade branca não lhes era permitido ter sua própria cultura (cultura essa que incluía o consumo de cannabis), temos o ambiente ideal para o surgimento do crime organizado. E foi o que aconteceu em todo mundo. Uma planta que era a maior matéria-prima de todas as indústrias do planeta, passou a ser criminalizada, e toda a cultura que a ela estava atrelada passou a ser objeto de perseguição.     
Nesse momento o leitor, que já deve estar cansado, pode pensar “Ainda não identifiquei o que isso tem de relação com AVA’s e Redes Sociais, parece mais, pra mim, apologia à maconha”   

    A relação é a seguinte caro leitor, não fosse a internet e a revolução do conhecimento que ela nos permitiu alcançar, ligando pessoas dos mais diversos cantos do planeta em uma gigante rede de contatos e troca de informações, jamais seria possível perceber que a proibição da maconha “imposta” ao mundo através da ONU tinha motivações políticas, jamais seria possível pressionar os governantes para que se informassem a respeito dos reais efeitos do uso da cannabis. Jamais se saberia em escala global o que se sabe hoje. Não teríamos ferramentas para fazer esse conhecimento chegar na maioria da população.

Não se teria acesso facilitado a diversos documentários sobre o assunto, como:
Quebrando o Tabu (2012),The Union: The Business Behind Getting High (2007),Cortina de Fumaça (2010),  Super High Me (2007)

    Sem contar fóruns de discussão e blogs de cultura cannábica que além de informar os usuários com notícias, promove a redução de danos, como o Hempadão.

Atenção especial ao Growroom que é um fórum de discussão, mas também um portal de notícias, informação e que tem o objetivo de informar os usuários e não-usuários a respeito do cultivo da cannabis, auxiliando as pessoas a produzirem sua própria substância sem precisar comprar no mercado negro. É importante lembrar que o plantio para uso ainda é proibido no Brasil, exceto em alguns casos que o STF assim determinou.

O leitor pode pensar então: “Se o site auxilia o usuário a cometer o crime, não estaria ele cometendo também o crime??”

    E eu pergunto ao leitor: “Alguém que se dispõe a plantar a substância que pretende usar, justamente para não comprar do crime organizado, sem interferir na vida de ninguém, pode ser considerado criminoso??

    E ainda pergunto mais: “Tendo em vista o rombo orçamentário atual no Brasil, não seria a regulação e taxação da produção, e distribuição da cannabis e todos os seus produtos e sub-produtos uma alternativa viável para a recuperação economia brasileira??   

Não temos obviamente resposta definitiva para esta pergunta, só não podemos continuar insistindo na única alternativa que não deu certo em lugar nenhum do mundo.


Leonardo Broering Jahn


REFERÊNCIAS

VIDART, Daniel. Marihuana, la flor del cáñamo: un alegato contra el poder (2014)

BONFIM DA SILVA, Deysianne. A Questão da Maconha no Brasil: proibir é a solução? (2015)

SOUTHWELL, David. A História do Crime Organizado: os segredos e o código de silêncio das mais poderosas organizações criminosas foram, finalmente, quebrados. (2006)

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