terça-feira, 22 de novembro de 2022

Plataformas de streaming de vídeo disseminam conhecimento, ou estão apenas no campo do entretenimento? Uma discussão sobre tipologias e títulos disponíveis e sua validade científica.

Plataformas de streaming de vídeo disseminam conhecimento, ou estão apenas no campo do entretenimento? Uma discussão sobre tipologias e títulos disponíveis e sua validade científica.


Introdução

O presente artigo busca iniciar uma discussão acerca da validade científica e histórica de filmes e séries disponíveis nos catálogos dos streamings de vídeo. Nos últimos anos se popularizou o uso de plataformas de vídeo para uso educacional, tendo como organizadores e/ou palestrantes, entidades e professores devidamente conceituados e capacitados para tratar de tais assuntos. Esse recurso ímpar possui relevância tanto para os expectadores quanto para os professores, e se demonstram úteis para a disseminação de conhecimento. Plataformas como o Youtube e TV Escola são exemplos quando se trata de buscar informações de forma gratuita, que são muito utilizadas por alunos e professores.

Entretanto, muitos filmes e séries disponíveis que iniciam com a informação que são baseados em fatos reais, não possuem uma confirmação científica dos fatos, tampouco possuem uma instituição que possa dar respaldo aos assuntos tratados, com exceção dos documentários científicos.

A seguir, faremos um breve resumo histórico de como se desenvolveu tal prática de transformar uma descoberta em algo cinematográfico com trama e personagens fictícios, e ainda discussão sobre alguns exemplos de filmes e séries que apesar de terem como plano de fundo descobertas no âmbito da ciência possuem acontecimentos paralelos que não são possíveis de se comprovar. Na parte final, uma separação por temas foi elaborada para tentar separar os gêneros cinematográficos e suas validades históricas.

 

Ciência e imaginação

Desde o surgimento da indústria do cinema, filmes de ficção eram explorados tais como um dos primeiros filmes produzidos a Viagem à Lua de 1902 de Georges Méliès, que usou como base o romance de Júlio Verne de 1865 “Da Terra a Lua” e “Ao redor da Lua” de 1870. Nota-se que desde os primórdios do cinema, eram exploradas teorias envoltas de um romance protagonizados por atores que cativavam o público. Também, na mesma época filmes foram utilizados como material didático, em especial para o ensino da ciência. Em escolas europeias por volta de 1910, documentários e filmes eram expostos tratando sobre fauna, flora e sobre o cosmos.

O filme exerce desse modo o papel de denominador comum daquelas inteligências juvenis. Nivela-as pelo mesmo interesse no espetáculo e pelo poder que a imagem tem de tornar instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre transmitem com fidelidade. (Laponte apud Esteves, 2006, p. 121)

                Entretanto, filmes didáticos não eram verdadeiros sucessos, por tratarem de projetar imagens cobre ciência, descobertas, ou sociedades, eram muitas vezes monótonos e pouco chamavam a atenção do público e conquistavam engajamento. Nesse contexto de tornar a ciência mais atrativa, que são incorporados aos filmes e documentários um caráter romanistas nas obras, imagens, luzes, sons, novos efeitos especiais estavam sendo mesclados com personagens que representavam a sociedade, e muitas vezes como se desdobravam essas descobertas e os efeitos que atingiam as pessoas reais. Metáforas eram e são úteis, para traduzir para o público o avanço que a ciência proporciona.

A produção da ciência não é mais concebida como algo restrito à comunidade científica, e sim como o resultado da interação com outros fatores, como o da representação pública da ciência. (Cinema and the scientific imaginary, 2006, Bernardo Jefferson)

 

 

Imaginário social

                Ao passar dos nos anos, na evolução do cinema os produtores cada vez mais representavam nas telas as paixões, descobertas científicas, motivações para a ciência, teorias sociais, em imagens e sons que eram capazes de traduzir esses avanços e/ou debates.

Muitos historiadores mostraram que o verdadeiro evento não é somente um acontecimento que se passa no momento determinado, mas o que ele traz consigo e possibilita (Le Goff & Cazenave, 1986).

                A representação social, cultural, ideologias expostas nas telas compõem um pilar da indústria do cinema. E os heróis dotados de poderes ou não, fazem o uso das descobertas científicas para benefício próprio ou de uma nação ou grupo social, e pode-se compreender através de sons, imagens, os desdobramentos de cada caminho.

                O imaginário social, acaba por julgar as decisões dos protagonistas aclamando ou culpando-os pelo uso de tais ferramentas que foram desenvolvidas. Mas a função principal de traduzir a descoberta em algo factível tem êxito à medida que os debates são fundados considerando essa evolução proporcionada pela tecnologia. Mas nem todos os filmes e produções do cinema, são acompanhados de uma trama real, apenas tem como plano de fundo a descoberta em si, e personagens apenas são responsáveis por levar até o público tais informações.

 

Exemplos de filmes e séries que abordam descobertas científicas e debates sociais envoltos de uma trama ficcional

Narcos 2015



                Uma das sérias de maior sucesso da Netflix no Brasil que estreou em 2015, narra com base em acontecimentos reais a saga do traficante comumente conhecido como Pablo Escobar. Apesar de verídica a história de conflito entre traficantes na Colômbia, e os embates com o governo norte americano norteados por políticas de combates as drogas pincipalmente em regiões da Califórnia, muitos dos desdobramentos expostos pela série não são reais. Muitos personagens conhecidos popularmente, como o próprio Pablo Escobar e membros da sua família, traficantes rivais como os Ochoa, agentes da DEA como o Steave Murphy e o agente Peña, são pessoas reais que foram representadas no filme por atores, porém muitos outros protagonistas foram criados possibilitando um contexto de fácil entendimento sobre os acontecimentos da época. Nem todos os “sicários” de Pablo eram reais, ou seus próprios inimigos eram, mas personagens foram criados para ilustrar os conflitos e alianças. Alguns acontecimentos como o roubo da espada de Simón Bolívar foram reais, mas não existe evidência histórica de que a espada fora entregue realmente para Pablo.

Clark 2022



                A série que estreou esse ano, 2022, disponível no catálogo da Netflix, mostra a vida de Clark Olofsson, o criminoso sueco que deu origem ao termo “Síndrome de Estocolmo”. A síndrome, é real e foi desenvolvida para explicar o porque de muitas vítimas de assaltos, sequestros, ou situações de violência, desenvolvem uma simpatia pelos agressores ou criminosos. Embora a série esteja respaldada num evento real, e crimes reais de um criminoso, muitas das cenas não representam a realidade, sequer possuem validade histórica. Muitas aventuras do personagem Clark, foram criadas a partir de relatos do próprio criminoso, famoso por mentir e trapacear. Logo, uma série criada em cima de mentiras não pode ser caracterizada como objeto de ciência social.

Os Aeronautas 2019



                O filme conta a história de James Glaisher, o cientista meteorológico que viveu no século 19, e foi responsável por diversos avanços científicos da área. O recorde quebrado em 1862 de altura, que é representado no filme realmente ocorreu, e todos os embates com a academia de ciência afim de buscar recursos para a pesquisa também representam a realidade. Porém a protagonista do filme é fictícia, e não existiu de fato uma mulher piloto de balão de ar quente que acompanhou James nessas aventuras. O romance tem como plano de fundo as descobertas da ciência, porém com alguns ajustes para fácil entendimento do público.

 

Armageddon 1998



                O filme Armageddon de 1998 foi revolucionário em efeitos especiais, e é até hoje para muitos um filme icônico e importante para a ficção científica em temas que tratam sobre o cosmos e situações que podem por em risco a vida na terra. Entretanto apesar do sucesso, esse é um dos filmes que mais possuem críticas em relação a veracidade científica dos fatos. Muitas das manobras não são possíveis fisicamente. Uma das primeiras críticas está em relação a propagação dos sons, que não é possível no vácuo do espaço. A separação dos propulsores de foguete e tanques de combustível do ônibus espacial acontece em grande proximidade física, o que seria extremamente arriscado na realidade, por causa dos perigos de colisões e explosões. Os objetos que são atraídos por uma força gravitacional aparentemente tão forte como a da Terra. Todos esses pontos são exemplos de ficção científica expressas no filme.

 

Gêneros cinematográficos

                Afim de tentar separar por temas, foi elaborada a seguir uma lista com exemplos de filmes e suas categorias no que se refere a comprovação científica. A lista contém somente alguns filmes e séries buscadas nas principais plataformas.

1.       Documentários cuja narrativa não envolve construção de personagens humanos, e ou nos quais as características didáticas do roteiro prevalecem sobre os elementos dramáticos. A maior parte deles é de curta ou média metragem, e poucos são produzidos visando exibição comercial em cinemas:

Cosmos (Netflix); Humano – uma viagem pela vida (Amazon Prime)

2.       Reconstruções de casos reais de descobertas:

O Golpista do Tinder (Netflix); Flordelis (Globoplay); João de Deus (Globoplay); A Inventora (HBO Max)

3.       Filmes biográficos de personagens célebres da história da ciência, como:

Pelé (Netflix); Marie Curie, Radioactive (Netflix)

4.       Filmes em que cientistas históricos estão envoltos na trama ficcional.

Os aeronautas (Amazon prime); Freud (Netflix)

5.       Filmes em que a ciência é o pano de fundo. Como a ciência passou a ser um dos elementos centrais da cultura do século XX, seus elementos, produtos e valores aparecem em diversas retratações da vida social, como nas histórias sobre desafios tecnológicos reais.

O aviador (Amazon prime); Interestelar (Apple TV); O menino que descobriu o vento (Netflix)

6.       Ficções científicas propriamente ditas, em que a ciência parece ser a personagem central. Aqui a dimensão ficcional é evidente, pois, ainda que verossímeis, essas narrativas quase nunca são factíveis, ou seja, são fantasiosas (irreais) ou irrealizáveis nas atuais condições do conhecimento.

Star wars; Star treak; Dune; Taken; Matrix

 

Conclusões

                O debate sobre a ciência exposta nos filmes e como ela é feita é bastante profundo. Em muitos os casos são feitos sob um viés de informação ou contexto no qual o filme é gravado. O viés de interesse também está presente, no que se refere em interesses políticos ou comercias com os quais as produções são conduzidas. Após leitura de artigos científicos e de opinião, não é possível confirmar se os avanços da ciência estão sendo expostos de maneira correta nos filmes, ou se são obras apenas com a finalidade de entreter. No final, tudo sempre acaba por ficar na mão do expectador, qual informação e onde ele vai querer buscar. O poder de decisão sempre está na mão dos consumidores de tais informações. Muitas plataformas possuem em seus catálogos obras fictícias e obras documentais da história, por vezes produzidas ou apoiadas por entidades governamentais. Porém, cabe as pessoas procurar por fontes confiáveis de informação, e fazer devidamente a separação do que é entretenimento e o que é informação científica. E fazer o melhor uso de tais fontes.

 

Referências

 Cinema and the scientific imaginary. 2006. Bernardo Jefferson de Oliveira. Disponível em:


https://www.scielo.br/j/hcsm/a/sj4GXK3M9Xhn7TsgPFZpzsJ/?lang=pt

 

ANÁLISE DE PLATAFORMAS DE STREAMING DE VÍDEOS E SUA RELAÇÃO COM TIC NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA. 2020. DENISE EDUARDA ROBERTO. Disponível em:


https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/24334/1/CT_TCTE_III_2020_16.pdf

 

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