Plataformas de streaming de vídeo disseminam conhecimento, ou estão apenas no campo do entretenimento? Uma discussão sobre tipologias e títulos disponíveis e sua validade científica.
Introdução
O presente artigo busca iniciar
uma discussão acerca da validade científica e histórica de filmes e séries
disponíveis nos catálogos dos streamings de vídeo. Nos últimos anos se
popularizou o uso de plataformas de vídeo para uso educacional, tendo como organizadores
e/ou palestrantes, entidades e professores devidamente conceituados e
capacitados para tratar de tais assuntos. Esse recurso ímpar possui relevância
tanto para os expectadores quanto para os professores, e se demonstram úteis
para a disseminação de conhecimento. Plataformas como o Youtube e TV Escola são
exemplos quando se trata de buscar informações de forma gratuita, que são muito
utilizadas por alunos e professores.
Entretanto, muitos filmes e
séries disponíveis que iniciam com a informação que são baseados em fatos reais,
não possuem uma confirmação científica dos fatos, tampouco possuem uma
instituição que possa dar respaldo aos assuntos tratados, com exceção dos
documentários científicos.
A seguir, faremos um breve resumo
histórico de como se desenvolveu tal prática de transformar uma descoberta em
algo cinematográfico com trama e personagens fictícios, e ainda discussão sobre
alguns exemplos de filmes e séries que apesar de terem como plano de fundo descobertas
no âmbito da ciência possuem acontecimentos paralelos que não são possíveis de
se comprovar. Na parte final, uma separação por temas foi elaborada para tentar
separar os gêneros cinematográficos e suas validades históricas.
Ciência e imaginação
Desde o surgimento
da indústria do cinema, filmes de ficção eram explorados tais como um dos
primeiros filmes produzidos a Viagem à Lua de 1902 de Georges Méliès, que
usou como base o romance de Júlio Verne de 1865 “Da Terra a Lua” e “Ao redor da
Lua” de 1870. Nota-se que desde os primórdios do cinema, eram exploradas teorias
envoltas de um romance protagonizados por atores que cativavam o público.
Também, na mesma época filmes foram utilizados como material didático, em
especial para o ensino da ciência. Em escolas europeias por volta de 1910,
documentários e filmes eram expostos tratando sobre fauna, flora e sobre o
cosmos.
O filme exerce desse
modo o papel de denominador comum daquelas inteligências juvenis. Nivela-as
pelo mesmo interesse no espetáculo e pelo poder que a imagem tem de tornar
instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre transmitem
com fidelidade. (Laponte apud Esteves, 2006, p. 121)
Entretanto,
filmes didáticos não eram verdadeiros sucessos, por tratarem de projetar
imagens cobre ciência, descobertas, ou sociedades, eram muitas vezes monótonos
e pouco chamavam a atenção do público e conquistavam engajamento. Nesse
contexto de tornar a ciência mais atrativa, que são incorporados aos filmes e documentários
um caráter romanistas nas obras, imagens, luzes, sons, novos efeitos especiais estavam
sendo mesclados com personagens que representavam a sociedade, e muitas vezes
como se desdobravam essas descobertas e os efeitos que atingiam as pessoas
reais. Metáforas eram e são úteis, para traduzir para o público o avanço que a
ciência proporciona.
A produção da
ciência não é mais concebida como algo restrito à comunidade científica, e sim
como o resultado da interação com outros fatores, como o da representação
pública da ciência. (Cinema and the scientific imaginary, 2006, Bernardo Jefferson)
Imaginário social
Ao passar dos nos anos, na evolução do cinema os
produtores cada vez mais representavam nas telas as paixões, descobertas científicas,
motivações para a ciência, teorias sociais, em imagens e sons que eram capazes
de traduzir esses avanços e/ou debates.
Muitos historiadores mostraram que o
verdadeiro evento não é somente um acontecimento que se passa no momento
determinado, mas o que ele traz consigo e possibilita (Le Goff & Cazenave,
1986).
A
representação social, cultural, ideologias expostas nas telas compõem um pilar
da indústria do cinema. E os heróis dotados de poderes ou não, fazem o uso das
descobertas científicas para benefício próprio ou de uma nação ou grupo social,
e pode-se compreender através de sons, imagens, os desdobramentos de cada
caminho.
O
imaginário social, acaba por julgar as decisões dos protagonistas aclamando ou
culpando-os pelo uso de tais ferramentas que foram desenvolvidas. Mas a função
principal de traduzir a descoberta em algo factível tem êxito à medida que os
debates são fundados considerando essa evolução proporcionada pela tecnologia. Mas
nem todos os filmes e produções do cinema, são acompanhados de uma trama real,
apenas tem como plano de fundo a descoberta em si, e personagens apenas são
responsáveis por levar até o público tais informações.
Exemplos de filmes e séries
que abordam descobertas científicas e debates sociais envoltos de uma trama
ficcional
Narcos 2015
Uma das sérias de maior sucesso da Netflix no
Brasil que estreou em 2015, narra com base em acontecimentos reais a saga do
traficante comumente conhecido como Pablo Escobar. Apesar de verídica a história
de conflito entre traficantes na Colômbia, e os embates com o governo norte
americano norteados por políticas de combates as drogas pincipalmente em regiões
da Califórnia, muitos dos desdobramentos expostos pela série não são reais.
Muitos personagens conhecidos popularmente, como o próprio Pablo Escobar e
membros da sua família, traficantes rivais como os Ochoa, agentes da DEA como o
Steave Murphy e o agente Peña, são pessoas reais que foram representadas no
filme por atores, porém muitos outros protagonistas foram criados possibilitando
um contexto de fácil entendimento sobre os acontecimentos da época. Nem todos
os “sicários” de Pablo eram reais, ou seus próprios inimigos eram, mas
personagens foram criados para ilustrar os conflitos e alianças. Alguns
acontecimentos como o roubo da espada de Simón Bolívar foram reais, mas não
existe evidência histórica de que a espada fora entregue realmente para Pablo.
Clark 2022
A
série que estreou esse ano, 2022, disponível no catálogo da Netflix, mostra a vida
de Clark Olofsson, o criminoso sueco que deu origem ao termo “Síndrome de
Estocolmo”. A síndrome, é real e foi desenvolvida para explicar o porque de
muitas vítimas de assaltos, sequestros, ou situações de violência, desenvolvem
uma simpatia pelos agressores ou criminosos. Embora a série esteja respaldada
num evento real, e crimes reais de um criminoso, muitas das cenas não
representam a realidade, sequer possuem validade histórica. Muitas aventuras do
personagem Clark, foram criadas a partir de relatos do próprio criminoso,
famoso por mentir e trapacear. Logo, uma série criada em cima de mentiras não
pode ser caracterizada como objeto de ciência social.
Os Aeronautas 2019
O
filme conta a história de James Glaisher, o cientista meteorológico que viveu
no século 19, e foi responsável por diversos avanços científicos da área. O
recorde quebrado em 1862 de altura, que é representado no filme realmente
ocorreu, e todos os embates com a academia de ciência afim de buscar recursos para
a pesquisa também representam a realidade. Porém a protagonista do filme é fictícia,
e não existiu de fato uma mulher piloto de balão de ar quente que acompanhou James
nessas aventuras. O romance tem como plano de fundo as descobertas da ciência,
porém com alguns ajustes para fácil entendimento do público.
Armageddon 1998
O filme Armageddon de 1998 foi revolucionário em
efeitos especiais, e é até hoje para muitos um filme icônico e importante para
a ficção científica em temas que tratam sobre o cosmos e situações que podem
por em risco a vida na terra. Entretanto apesar do sucesso, esse é um dos
filmes que mais possuem críticas em relação a veracidade científica dos fatos.
Muitas das manobras não são possíveis fisicamente. Uma das primeiras críticas
está em relação a propagação dos sons, que não é possível no vácuo do espaço. A separação dos propulsores de foguete e tanques de
combustível do ônibus espacial acontece em grande proximidade física, o que
seria extremamente arriscado na realidade, por causa dos perigos de colisões e
explosões. Os objetos que são atraídos por uma força gravitacional
aparentemente tão forte como a da Terra. Todos esses pontos são exemplos
de ficção científica expressas no filme.
Gêneros cinematográficos
Afim
de tentar separar por temas, foi elaborada a seguir uma lista com exemplos de filmes
e suas categorias no que se refere a comprovação científica. A lista contém somente
alguns filmes e séries buscadas nas principais plataformas.
1. Documentários cuja narrativa não envolve
construção de personagens humanos, e ou nos quais as características didáticas
do roteiro prevalecem sobre os elementos dramáticos. A maior parte deles é de
curta ou média metragem, e poucos são produzidos visando exibição comercial em
cinemas:
Cosmos (Netflix); Humano –
uma viagem pela vida (Amazon Prime)
2. Reconstruções de casos reais de
descobertas:
O Golpista do Tinder
(Netflix); Flordelis (Globoplay); João de Deus (Globoplay); A
Inventora (HBO Max)
3. Filmes biográficos de personagens
célebres da história da ciência, como:
Pelé (Netflix); Marie Curie, Radioactive (Netflix)
4. Filmes em que cientistas históricos estão
envoltos na trama ficcional.
Os aeronautas (Amazon prime);
Freud (Netflix)
5. Filmes em que a ciência é o pano de
fundo. Como a ciência passou a ser um dos elementos centrais da cultura do
século XX, seus elementos, produtos e valores aparecem em diversas retratações
da vida social, como nas histórias sobre desafios tecnológicos reais.
O aviador (Amazon prime); Interestelar
(Apple TV); O menino que descobriu o vento (Netflix)
6. Ficções científicas propriamente ditas,
em que a ciência parece ser a personagem central. Aqui a dimensão ficcional é
evidente, pois, ainda que verossímeis, essas narrativas quase nunca são
factíveis, ou seja, são fantasiosas (irreais) ou irrealizáveis nas atuais
condições do conhecimento.
Star wars; Star treak; Dune; Taken;
Matrix
Conclusões
O debate sobre a ciência exposta nos
filmes e como ela é feita é bastante profundo. Em muitos os casos são feitos
sob um viés de informação ou contexto no qual o filme é gravado. O viés de
interesse também está presente, no que se refere em interesses políticos ou
comercias com os quais as produções são conduzidas. Após leitura de artigos científicos
e de opinião, não é possível confirmar se os avanços da ciência estão sendo
expostos de maneira correta nos filmes, ou se são obras apenas com a finalidade
de entreter. No final, tudo sempre acaba por ficar na mão do expectador, qual
informação e onde ele vai querer buscar. O poder de decisão sempre está na mão
dos consumidores de tais informações. Muitas plataformas possuem em seus catálogos
obras fictícias e obras documentais da história, por vezes produzidas ou
apoiadas por entidades governamentais. Porém, cabe as pessoas procurar por
fontes confiáveis de informação, e fazer devidamente a separação do que é
entretenimento e o que é informação científica. E fazer o melhor uso de tais
fontes.
Referências
Nenhum comentário:
Postar um comentário