quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Fake news e o cenário virtual: como as novas dimensões do jornalismo online e a onda de notícias falsas prejudicam a credibilidade de informações




Na medida em que a evolução da tecnologia penetrou os meios de comunicação, ocorreu uma evolução no modo como o jornalismo é difundido. Em um mundo globalizado, digital e fugaz como o de hoje, encontrar credibilidade e poder confiar na origem e veracidade das informações, se tornou um desafio. Para saber o que é verdade e como verificar as notícias em meio a tantos boatos e conteúdos falsos, os jornalistas precisam, cada vez mais, buscar métodos pessoais e formas de conseguir manter-se fiéis ao ocorrido.
Para Recuero (2009), com o aumento de usuários em redes sociais, surgem novos desafios para jornalistas e portais de notícias no ambiente online. Porém, diferente do que acontecia nas mídias tradicionais, uma das características que chama atenção para o tema é a criação de conteúdo pelos próprios usuários de redes sociais, além da interatividade entre o jornalista e os usuários.
Diante desse cenário, a internet virou um ambiente propício para a difusão de fake news, que por definição, nada mais é do notícias fabricadas sem nenhuma base com a realidade, mas que apresentadas como sendo factualmente corretas.

Desde as eleições que elegeram o presidente americano Donald Trump em 2016, a expressão fake news se espalhou mundialmente. Com a popularização dos computadores e smartphones, boa parte da população brasileira tem acesso a redes sociais, como Facebook e WhatsApp, diariamente e se tornou alvo de uma avalanche de notícias falsas disparadas a todo momento.
Em entrevista à BBC News Brasil, o psiquiatra e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, Claudio Martins, afirmou que as pessoas que compartilham notícias falsas experimentam uma sensação de bem-estar semelhante à de usar drogas: “quando a pessoa recebe uma notícia que a agrada, são estimulados os mecanismos de recompensa imediata do cérebro e dão uma sensação de prazer instantâneo, assim como as drogas. Ocorre uma descarga emocional e gera uma satisfação imediata. Isso impulsiona a pessoa a transmitir compulsivamente a mesma informação para que seu círculo de amizades sinta o mesmo. Por isso, há os encaminhadores compulsivos", explica o psiquiatra. E é exatamente esse tipo de notícia que põem em xeque a credibilidade das notícias espalhadas pelas redes sociais, inclusive por páginas jornalísticas.

Obter os fatos corretos é um princípio básico do jornalismo, mas o problema surge quando os meios de comunicação têm dificuldade para serem éticos perante a eclosão de uma grande notícia. Surge então a importância da disciplina de verificação. Em alguns casos, ao deparar-se com um acontecimento, a tendência do jornalista pode ser a de ouvir e relatar apenas um lado ou aspecto da notícia.
Outro problema enfrentado pelo jornalismo é a falta de verificação na apuração. Isso pode levar a disseminação de fake news até mesmo em mídias tradicionais e consideradas confiáveis
Dessa forma, a informação é deturpada, prejudicada e principalmente manipulada, afinal, seu enfoque e suas características originais não são preservadas pela ausência de um padrão de verificação aceitável. Ocorre, desta maneira, uma ruptura no processo básico do jornalismo (recolher, entender e transmitir a informação) afinal, os elementos reais da notícia ficam desconexos e a gama de informações sobre aquele acontecimento, incompleta. O que no passado começou a se configurar como um método de verificação jornalística, tornou-se inviável atualmente, já que a moderna cultura de imprensa - onde a informação além de ser democratizada, pode e é emitida por todos - enfraqueceu a metodologia de verificação e a tecnologia é parte importante nesse contexto. Segundo Geneva Overholser (1998), citada por Kovach e Rosenstiel (2001, p. 119):
A internet e a Nexis (mais outros serviços surgidos nos últimos dez anos para compartilhar e disseminar vídeo) permitem aos jornalistas fácil acesso às matérias e declarações sem que façam um trabalho de investigação. (...) A partir do momento em que a matéria se forma na cabeça do jornalista, é como se o comportamento do rebanho fosse verdadeiro. (...) e também por causa da reportagem eletrônica, todos bebemos da mesma fonte.
Essa facilidade aparente na apuração e a manipulação dos fatos e das informações, seja por ouvir somente um lado da história, por fragmentar os fatos, ocultar ou inverter a informação, leva a uma disseminação de informações rasa, principalmente, de afirmação. O problema intrínseco nessa falta de verificação e na manipulação da informação, é que o público passa a acreditar no que não é verdade ou no que é apenas meia-verdade. Infelizmente, muitas vezes, é isso que o emissor deseja.
Nesse contexto surge o conceito de post-truth, a pós-verdade. O termo com a definição atual foi usado pela primeira vez em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, e se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais. Ou seja, os pré-conceitos e opiniões pessoais, tomam papel importante e quase principal na disseminação e transmissão de uma notícia. É da natureza humana recusar fatos que contrariam nossa visão de mundo e a desconfiança geral em relação às instituições jornalísticas, justamente pela falta de verificação e de credibilidade em muitas das informações publicadas, só piora nossa capacidade de distinguir mentiras de verdades.
Jayson Harsin, professor do Departamento de Comunicação Global da Universidade Americana de Paris, durante revisão de seu livro “The rumor bomb: vertiginous democracy and regimes of post-truth”, alegou que:
As mentiras sempre existiram. Mas, na era da comunicação em massa, as instituições tradicionais de conhecimento se quebraram (...). Nessas condições, é possível fazer afirmações que são parcialmente verdadeiras, majoritariamente falsas ou redondamente falsas. É muito confuso. Há tantas afirmações contraditórias e deliberadamente ambíguas que fica muito difícil para os cidadãos dar sentido a isso.
Deste modo, cabe ao jornalista, inserido como principal disseminador de informações nesse ambiente caótico, verificar, apurar, consultar fontes e lutar para que a notícia a ser veiculada seja a mais fiel ao acontecimento possível.
Nesse sentido, Perseu Abramo (1996, p. 37), diz que “a manipulação da realidade pela imprensa ocorre de várias e múltiplas formas” mas que nem toda a imprensa e todo o material são sempre manipulados. Abramo afirma que a gravidade desse fenômeno, portanto, está no fato de que a manipulação “marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da imprensa”.
Isso, em conjunto com a falta de verificação e objetividade na disseminação das notícias, leva à perda de credibilidade e fidelidade do jornalismo, fator de maior conotação na crise atual da instituição.
 Portanto, faz-se necessária a continuidade da busca por um método de verificação confiável e adequado, para que o profissional possa exercer de forma correta a sua função, com honestidade, lealdade e objetividade. Desta forma, além de continuar atrelado ao interesse público, o jornalista irá manter-se em consonância com um dos, senão o, principal fundamento do jornalismo: a ética.


 REFERÊNCIAS
SILVERMAN, Craig et al (Ed.). Manual de Verificação: Um guia definitivo para a verificação de conteúdo digital nas coberturas de emergência. Disponível em: <http://verificationhandbook.com/downloads/manual.de.verificacao.pdf>. Acesso em: 23 jun.2017.
CORACINI, Jessica Polliani. Jornalismo de Verificação. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfo2gAG/jornalismo-verificacao>. Acesso em: 23 jun. 2017.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003. 304 p.
ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. 90 p.



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