Na
medida em que a evolução da tecnologia penetrou os meios de comunicação, ocorreu
uma evolução no modo como o jornalismo é difundido. Em um mundo globalizado,
digital e fugaz como o de hoje, encontrar credibilidade e poder confiar na
origem e veracidade das informações, se tornou um desafio. Para saber o que é
verdade e como verificar as notícias em meio a tantos boatos e conteúdos
falsos, os jornalistas precisam, cada vez mais, buscar métodos pessoais e
formas de conseguir manter-se fiéis ao ocorrido.
Para
Recuero (2009), com o aumento de usuários em redes sociais, surgem novos
desafios para jornalistas e portais de notícias no ambiente online. Porém,
diferente do que acontecia nas mídias tradicionais, uma das características que
chama atenção para o tema é a criação de conteúdo pelos próprios usuários de
redes sociais, além da interatividade entre o jornalista e os usuários.
Diante
desse cenário, a internet virou um ambiente propício para a difusão de fake news, que por definição, nada mais
é do notícias fabricadas sem nenhuma base com a realidade, mas que apresentadas
como sendo factualmente corretas.
Desde
as eleições que elegeram o presidente americano Donald Trump em 2016, a
expressão fake news se espalhou mundialmente. Com a popularização dos
computadores e smartphones, boa parte da população brasileira tem acesso a
redes sociais, como Facebook e WhatsApp, diariamente e se tornou alvo de uma
avalanche de notícias falsas disparadas a todo momento.
Em
entrevista à BBC News Brasil, o psiquiatra e diretor da Associação Brasileira
de Psiquiatria, Claudio Martins, afirmou que as pessoas que compartilham
notícias falsas experimentam uma sensação de bem-estar semelhante à de usar
drogas: “quando a pessoa recebe uma notícia que a agrada, são estimulados os
mecanismos de recompensa imediata do cérebro e dão uma sensação de prazer
instantâneo, assim como as drogas. Ocorre uma descarga emocional e gera uma
satisfação imediata. Isso impulsiona a pessoa a transmitir compulsivamente a
mesma informação para que seu círculo de amizades sinta o mesmo. Por isso, há
os encaminhadores compulsivos", explica o psiquiatra. E é exatamente esse
tipo de notícia que põem em xeque a credibilidade das notícias espalhadas pelas
redes sociais, inclusive por páginas jornalísticas.
Obter
os fatos corretos é um princípio básico do jornalismo, mas o problema surge
quando os meios de comunicação têm dificuldade para serem éticos perante a
eclosão de uma grande notícia. Surge então a importância da disciplina de
verificação. Em alguns casos, ao deparar-se com um acontecimento, a tendência
do jornalista pode ser a de ouvir e relatar apenas um lado ou aspecto da
notícia.
Outro
problema enfrentado pelo jornalismo é a falta de verificação na apuração. Isso
pode levar a disseminação de fake news até
mesmo em mídias tradicionais e consideradas confiáveis
Dessa
forma, a informação é deturpada, prejudicada e principalmente manipulada,
afinal, seu enfoque e suas características originais não são preservadas pela
ausência de um padrão de verificação aceitável. Ocorre, desta maneira, uma
ruptura no processo básico do jornalismo (recolher, entender e transmitir a
informação) afinal, os elementos reais da notícia ficam desconexos e a gama de
informações sobre aquele acontecimento, incompleta. O que no passado começou a
se configurar como um método de verificação jornalística, tornou-se inviável
atualmente, já que a moderna cultura de imprensa - onde a informação além de
ser democratizada, pode e é emitida por todos - enfraqueceu a metodologia de
verificação e a tecnologia é parte importante nesse contexto. Segundo Geneva
Overholser (1998), citada por Kovach e Rosenstiel (2001, p. 119):
A internet e a Nexis (mais outros serviços surgidos nos
últimos dez anos para compartilhar e disseminar vídeo) permitem aos jornalistas
fácil acesso às matérias e declarações sem que façam um trabalho de
investigação. (...) A partir do momento em que a matéria se forma na cabeça do
jornalista, é como se o comportamento do rebanho fosse verdadeiro. (...) e
também por causa da reportagem eletrônica, todos bebemos da mesma fonte.
Essa facilidade aparente na apuração e a manipulação dos
fatos e das informações, seja por ouvir somente um lado da história, por
fragmentar os fatos, ocultar ou inverter a informação, leva a uma disseminação
de informações rasa, principalmente, de afirmação. O problema intrínseco nessa
falta de verificação e na manipulação da informação, é que o público passa a
acreditar no que não é verdade ou no que é apenas meia-verdade. Infelizmente,
muitas vezes, é isso que o emissor deseja.
Nesse contexto surge o conceito de post-truth, a
pós-verdade. O termo com a definição atual foi usado pela primeira vez em 1992
pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, e se relaciona ou denota
circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a
opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais. Ou seja, os
pré-conceitos e opiniões pessoais, tomam papel importante e quase principal na
disseminação e transmissão de uma notícia. É da natureza humana recusar fatos
que contrariam nossa visão de mundo e a desconfiança geral em relação às
instituições jornalísticas, justamente pela falta de verificação e de
credibilidade em muitas das informações publicadas, só piora nossa capacidade
de distinguir mentiras de verdades.
Jayson Harsin, professor do Departamento de Comunicação
Global da Universidade Americana de Paris, durante revisão de seu livro “The
rumor bomb: vertiginous democracy and regimes of post-truth”, alegou que:
As mentiras sempre
existiram. Mas, na era da comunicação em massa, as instituições tradicionais de
conhecimento se quebraram (...). Nessas condições, é possível fazer afirmações
que são parcialmente verdadeiras, majoritariamente falsas ou redondamente
falsas. É muito confuso. Há tantas afirmações contraditórias e deliberadamente
ambíguas que fica muito difícil para os cidadãos dar sentido a isso.
Deste modo, cabe ao jornalista, inserido como principal
disseminador de informações nesse ambiente caótico, verificar, apurar,
consultar fontes e lutar para que a notícia a ser veiculada seja a mais fiel ao
acontecimento possível.
Nesse sentido, Perseu Abramo (1996, p. 37), diz que “a
manipulação da realidade pela imprensa ocorre de várias e múltiplas formas” mas
que nem toda a imprensa e todo o material são sempre manipulados. Abramo afirma
que a gravidade desse fenômeno, portanto, está no fato de que a manipulação
“marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da
imprensa”.
Isso, em conjunto com a falta de verificação e objetividade
na disseminação das notícias, leva à perda de credibilidade e fidelidade do
jornalismo, fator de maior conotação na crise atual da instituição.
Portanto, faz-se necessária
a continuidade da busca por um método de verificação confiável e adequado, para
que o profissional possa exercer de forma correta a sua função, com
honestidade, lealdade e objetividade. Desta forma, além de continuar atrelado
ao interesse público, o jornalista irá manter-se em consonância com um dos,
senão o, principal fundamento do jornalismo: a ética.
REFERÊNCIAS
SILVERMAN,
Craig et al (Ed.). Manual de Verificação: Um guia definitivo para a verificação
de conteúdo digital nas coberturas de emergência. Disponível em: <http://verificationhandbook.com/downloads/manual.de.verificacao.pdf>.
Acesso em: 23 jun.2017.
CORACINI,
Jessica Polliani. Jornalismo de Verificação. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfo2gAG/jornalismo-verificacao>.
Acesso em: 23 jun. 2017.
KOVACH,
Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: O que os jornalistas devem
saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003. 304 p.
ABRAMO,
Perseu. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2003. 90 p.
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