segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A competência na sociedade da informação


A competência na sociedade da informação

Mariene Alves do Vale
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           O conceito de competência foi cunhado pelo psicólogo norte americano David McClelland em meados do século XX. Inicialmente, suas pesquisas relacionavam-se com temas como motivação e personalidade, que tiveram contribuições comportamentais, cognitivas e de outras abordagens (SAMPAIO, 2009). A Teoria das Necessidades de McClelland, como ficou conhecida sua teoria sobre motivação, pode ser considerada situacionista-empirista, visto a importância atribuída ao ambiente e à aprendizagem.
           Esses estudos o levaram a ser designado para um trabalho sobre identificação precoce de talentos, o que foi ponto de partida para suas críticas às avaliações psicométricas existentes até então (SAMPAIO, 2009). Na sua perspectiva, os testes de inteligência utilizados em processos de seleção de pessoal consistiam em métodos e técnicas falhas.
           Em 1973, por exemplo, McClelland publicou um artigo denominado Testing for competence rather than for intelligence, no qual critica os testes de inteligência como preditores de sucesso no trabalho. Neste mesmo artigo, sugere que "há ampla evidência de que os testes que avaliam habilidades do trabalho predizem a proficiência no trabalho" (McCLELLAND, 1973, p. 7, tradução nossa). Desse modo, defende que os processos de seleção de pessoal sejam baseados em "amostras de trabalho", que no Brasil se convencionou chamar de provas situacionais.
           Ao longo das décadas, os estudos e as aplicações relacionadas à competência sofreram transformações. De um conceito mais artesanal e psicológico, passou para uma perspectiva universal, inclusive com a criação de um dicionário de competências, desenvolvido por David McClelland e Richard Boyatzis (SAMPAIO, 2009). Posteriormente, o conceito passou a ser visto como um elemento mais estratégico, com o alinhamento das competências individuais às competências organizacionais, relacionado à busca da excelência no ambiente de negócios.
           A gestão por competências se difundiu no Brasil a partir dos anos 2000 e, inicialmente, provocou confusões e divergências, devido às diferentes abordagens e experiências existentes, não somente oriundas do contexto norte americano como também inglês e francês (SAMPAIO, 2009).
           Diferentes métodos foram desenvolvidos, de acordo com as consultorias que prestavam serviços na área de gestão de pessoas ou conforme as próprias peculiaridades de cada organização. Passado o período de "modismo", algumas organizações têm utilizado outras formas de seleção, por exemplo, por valores. Considerando que muito tem se falado sobre propósito, tanto para as pessoas quanto para as empresas, é imprescindível que os princípios, os valores e as metas dos indivíduos sejam condizentes com esses mesmos elementos referentes à organização, a fim de que todos se beneficiem das relações profissionais estabelecidas.
           As competências difundidas no ambiente corporativo referem-se ao domínio de conhecimentos técnicos, às habilidades comportamentais, que contemplam aspectos intra e interpessoais, e à atitude. Ou seja, não basta conhecer e ter certas habilidades desenvolvidas, é preciso agir sobre a realidade.
           E por falar em realidade, não se pode deixar de considerar um aspecto basilar da sociedade atual, a informação. A sociedade da informação, chamada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells de sociedade em rede e pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan de aldeia global, tem a informação como protagonista.
Fonte: Med Imagem.
           Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a humanidade se viu envolta em um emaranhado de informações. A grande quantidade, muitas vezes, fazia com que fosse difícil localizar o que realmente se esperava, de modo a atender as necessidades de informação que provocavam o movimento de busca.
           Por isso, ainda na década de 1950, alguns profissionais começaram a se preocupar de maneira mais intensa com a organização e a preservação da informação, a fim de que ela pudesse ser recuperada e acessada. Todavia, somente na década de 1970 foi formulado um conceito que, ao longo do tempo, viria a abarcar um conjunto de habilidades, elementos e práticas relacionados à busca, seleção, uso e partilha da informação.
           Trata-se do conceito de information literacy, proposto por Paul Zurkowski em 1974, então voltado para as habilidades técnicas aprendidas pelos indivíduos, por meio de treinamentos, para utilizarem fontes e ferramentas informacionais com o objetivo de solucionarem problemas.
           Em uma tradução literal, information literacy corresponde à alfabetização informacional. Todavia, a tradução em português mais recorrente é a de competência em informação (SPUDEIT, 2016). Considerando o sentido atribuído à palavra competência na realidade brasileira, é possível associar o conceito de competência em informação, proveniente da área da biblioteconomia, com o conceito de competência adotado na área da administração e abordado anteriormente.
           Apesar de ter sido originado com foco na técnica, de acordo com Vitorino e Piantola (2011) o conceito de competência em informação abrange aspectos também pertinentes à estética, à política e à ética.
Fonte: Themesvar.
           A dimensão técnica pode ser vista como o âmbito da ação, pois refere-se à habilidade para aplicar recursos informacionais, lidar com fontes e ferramentas informacionais para solucionar problemas, acessar e utilizar com sucesso as novas tecnologias. É possível perceber a semelhança com o conceito definido por Zurkowski (1974), visto que ele estava direcionado justamente para o aspecto técnico da competência em informação.
Fonte: Centro Sophia.

           A dimensão estética é identificada como a dimensão da existência, pois está presente na construção da subjetividade e forja o caráter dos indivíduos. Relaciona-se à imaginação, à intuição e à criatividade sensível, ampliando o horizonte compreensivo e interpretativo do indivíduo sobre o meio externo. Essa compreensão, por sua vez, possibilita relacionar, ordenar, configurar e (re)significar a informação.

Fonte: Nossa Ilhéus.
A dimensão política compreende aspectos relativos à cidadania, isto é, demanda dos indivíduos aptidão e motivação para exercerem seus direitos e deveres na vida pública. A competência em informação, portanto, não é neutra, pois abarca elementos sociopolíticos e referenciais nos quais os indivíduos irão se balizar para fazerem suas escolhas e agirem no meio social.
           Por fim, a ética é a dimensão que perpassa as demais e diz da reflexão sobre a moralidade no que concerne ao comportamento humano. O sujeito ético toma suas próprias decisões e realiza suas ações considerando as possíveis implicações para si e para o coletivo. Desse modo, a ética está relacionada à análise crítica e ao cuidado com o bem comum.
           A competência em informação é, portanto, um processo que pode ser incentivado, isto é, o indivíduo a desenvolve a partir de estímulos do meio em que está inserido, construindo uma base para a aprendizagem contínua. Para isso, é necessário um ambiente favorável, que proporcione condições que vão além do despertar da motivação do sujeito para sanar suas necessidades de informação.
           No framework conceitual da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura são considerados elementos da competência em informação: reconhecer necessidades informacionais; localizar e avaliar a qualidade da informação; armazenar e recuperar informação; fazer uso eficaz e ético da informação; e aplicar informação para criar e comunicar conhecimento. Conforme pontua Vitorino (2016, p. 426), é possível perceber que “as capacidades ‘caminham’ do nível mais simples ao nível mais complexo e vice-versa, sem, no entanto, deixar de fazer parte da competência em informação”.
           Desse modo, os indivíduos competentes em informação são capazes de identificar as necessidades de informação, de localizar fontes que atendem essas necessidades, de usar as informações disponíveis para desenvolver novos conhecimentos e solucionar problemas, e de compartilhar as informações obtidas e os conhecimentos construídos.
           Se nos anos imediatos à Segunda Guerra Mundial já era difícil lidar com a explosão informacional, imagine nos dias atuais! A imagem abaixo exemplifica quanta informação é gerada e compartilhada em diferentes sites e aplicativos. Além disso, demonstra que as pessoas, em geral, deixaram de ser simples consumidoras para também se tornarem produtoras de informação, seja com uma simples postagem em uma rede social, a publicação de um texto em um blog, ou a disponibilização de um vídeo gravado em smartphone em uma plataforma específica para esse tipo de conteúdo, para citar apenas alguns exemplos.

Fonte: Go-Globe.

           E diante de tantas ferramentas e ambientes para a circulação de informação, não se pode deixar de abordar o fato de algumas delas simplesmente não serem verdadeiras. Considerando, principalmente, o cenário político, tanto brasileiro quanto de outros países, é nítido o impacto das fake news na formação da opinião e na tomada de decisão de diversos cidadãos.
Fonte: Adminovando Conceitos.
           No Brasil, ainda que alguns veículos da imprensa, por meio do Projeto Comprova, tentem combater as notícias falsas, é difícil imaginar uma solução efetiva para o problema, visto que inúmeras pessoas compartilham informações sem averiguar a fonte, sem confrontar com outros dados, sem avaliar se realmente são verdadeiras.
           Em vários casos, mesmo que tenham o interesse de checar a informação recebida, não conseguem tal feito. Isso acontece porque inúmeras pessoas utilizam, exclusivamente, smartphones com planos de pacotes de dados que são ilimitados para determinados aplicativos, mas que não proporcionam o acesso a outros recursos, por sinal, uma prática dissonante com a neutralidade da rede.
           A competência em informação tem um importante papel nessa conjuntura, pois como exposto anteriormente, é possível perceber que ela não se refere exclusivamente ao âmbito profissional e ao cotidiano corporativo. Ela diz respeito às nossas ações no dia-a-dia, nos mais variados contextos, pois a todo momento estamos lidando com informações.
           Diante do exposto, que tal fazer uma autoavaliação? Você é competente em informação? Mas antes de ficar satisfeito ou insatisfeito com a resposta, lembre-se, a competência é um processo e vivemos em uma sociedade dinâmica. Por isso, ela deve ser desenvolvida continuamente, para que possamos aproveitar com mais eficácia, eficiência e ética as informações que nos cercam. Assim, estaremos agindo em prol do nosso próprio progresso, mas também contribuindo para o desenvolvimento do meio em que estamos inseridos, a fim de que os benefícios sejam expandidos para toda a sociedade.

Referências

McCLELLAND, David. Testing for competence rather than intelligence. American Psychologist, [s.l.], v. 28, n. 1, p. 1-14, jan., 1973. Disponível em: <https://www.therapiebreve.be/documents/mcclelland-1973.pdf>. Acesso em: 26 out. 2018.

SAMPAIO, Jáder. Uma "arqueologia" do conceito de competência na realidade norte americana. Material didático de apoio à disciplina Seleção Profissional. Belo Horizonte: Departamento de Psicologia/UFMG, 2009.

SPUDEIT, Daniela. Programas para desenvolvimento de competências informacionais: implementação, metodologias e avaliação. In.: ALVES, Fernanda M. M.; CORRÊA, Elisa C. D.; LUCAS, Elaine R. O. (Orgs.). Competência em informação: políticas públicas, teoria e prática. Salvador: EDUFBA, 2016.

VITORINO, Elizete Vieira. Análise dimensional da competência em informação: bases teóricas e conceituais para reflexão. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 9, n. 2, p. 421-440, jul./dez., 2016. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/16051/13702>. Acesso em: 7 abr. 2018.

VITORINO, Elizete Vieira; PIANTOLA, Daniela. Dimensões da competência informacional. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 40, n. 1, p. 99-110, jan./abr., 2011.

ZURKOWSKI, Paul G. The information service environment relationship and priorities. Related paper nº 5. Washington, DC: National Commission of Libraries and Information Science, 1974. Disponível em: <https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2018.

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