domingo, 27 de maio de 2018

Facebook: Formações discursivas e atravessamentos em discursos publicitários.


A proposição deste artigo foi estabelecida a partir da necessidade de compreender melhor como funcionam os discursos ou de pelo menos, ser capaz de manter uma relação menos ingênua com a linguagem e todos seus fatores extralinguísticos.

A escolha da temática deve-se ao fato de por mais que a interação do campo religioso na política brasileira não seja um fenômeno recente, a crescente influência junto ao governo tornou esses atores relevantes para análise discursiva. Um dos nomes mais representativos da Frente Parlamentar Evangélica, o pastor e deputado federal Marcos Feliciano protagonizou uma campanha de boicote a fabricante de sabão em pó Omo, como reação ao posicionamento favorável da marca quanto as discussões das questões de gênero, manifestado através da campanha publicitária que convocava os pais para um recall sobre brincadeiras que acabam reforçando padrões e clichês sobre gênero, e a campanha “#RespeiteAsDiferenças”, produzida e veiculada pelo Ministério dos Direitos Humanos. O corpus investigativo da presente pesquisa será composto pelos vídeos das campanhas “Momentos que Marcam” da Omo e da campanha “#RespeiteAsDiferenças” do Ministério dos Direitos Humanos. Também fazem parte do corpus o vídeo “Guerra declarada – Omo fobia” produzida e divulgada pelo deputado Marcos Feliciano em sua página oficial no Facebook, e os comentários dos internautas sobre estas postagens.

Tendo por base teórica a Análise de Discurso, conforme proposto por Michel Pêcheux na França e por Eni Orlandi no Brasil, este artigo objetiva identificar as formações discursivas e os atravessamentos nos discursos publicitários nas campanhas veiculadas no Facebook. Para tanto, tem por objetivos específicos:

1.Analisar os atravessamentos discursivos nos vídeos das campanhas “#RespeiteAsDiferenças” do Ministério dos Direitos Humanos e “Momentos que Marcam” da Omo.

2.Identificar as marcas do político nos comentários dos posts das citadas campanhas nas páginas oficiais no Facebook.

3. Compreender a posição assumida pelo fabricante em relação a questão de gênero.

Neste artigo será apresentada a conjuntura atual do cenário político brasileiro, abordando assuntos como influência religiosa nos três poderes, diretrizes e características da Frente Parlamentar Evangélica e sua relação com os movimentos das causas LGBT, escola sem partido e questões de gênero e veiculação das campanhas “#RespeiteAsDiferenças”, do Ministério dos Direitos Humanos, “Momentos que Marcam” da Omo e “Guerra declarada – Omo Fobia” do deputado Marcos Feliciano.

O contexto político


O ano de 2017 proporcionou diversos acontecimentos históricos no cenário político e social brasileiro. A gestão de Michel Temer ficou marcada por propor reformas no ensino médio, Previdência Social, Consolidação das Leis de Trabalho ou reforma trabalhista e muitas outras medidas provisórias. Além disso, frequentes manobras para evitar investigações não só contra o próprio presidente, mas de inúmeros representantes públicos, escândalos de corrupção, tráfico de influência e outros artifícios políticos que contradizem os limites de autoridade entre os três poderes do estado coloca a atual presidência entre as mais rejeitadas do mundo, conforme publicou o jornalista Luiz Gustavo Schmitt, do jornal O Globo: “Com 7% de aprovação, o presidente Michel Temer ostenta o índice de maior rejeição do planeta. O peemedebista aparece atrás até de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela[1]”.

O descrédito e descontentamento da população geral com os três poderes, ampliado nos últimos 14 meses, mas crescente desde as manifestações públicas de 2013 e 2015, tem retratado algumas características e tendências não só no sistema político, mas também na sociedade brasileira. Uma dessas características, segundo o jornalista britânico Dom Phillips, é recorrente exposição de ideias de extrema direita, tanto no âmbito político quando social, e sua progressiva simpatia e aceitação populacional, sustentadas principalmente por fundamentações religiosas e justificada pela defesa dos bons costumes da tradicional família brasileira, conforme diz em sua matéria publicada no jornal The Guardian: “ E os brasileiros desiludidos buscam cada vez mais libertar os liberais, os cristãos evangélicos e os populistas de direita[2]”. 

Para confirmar esse cenário, podemos citar o contínuo crescimento de parlamentares que também figuram como líderes religiosos, em todas as esferas do Poder Legislativo nacional. Isso porque diante de uma sociedade tão polarizada e multifacetada, a figura do fiel ultrapassa os limites eclesiásticos e passa a participar ativamente de todos os circuitos de relações e ações, aplicando a prática institucional religiosa com nas demais esferas e entidades sociais em que tem contato, conforme Martino:
Não se deve esquecer de que mesmo a vida do “homem de Deus” está enquadrada em uma sociedade complexa, atingido por um fluxo incessante de mensagens concorrenciais ao foco primário de ação e influindo decisivamente nas escolhas feitas (MARTINO, 2003, p. 175).
Uma das resultantes da crescente aproximação e interferência religiosa, especialmente evangélica, no Poder Legislativo nacional, é a contínua expansão da bancada evangélica, também conhecida por bancada da bala, que é uma aliança composta por parlamentares, em sua maioria evangélicos, de partidos políticos distintos, que desde sua criação em 2003 até o ano de 2015, aumentou quatro vezes sua quantidade de integrantes, e consequentemente, seu poder e influência. Saiu de 44 signatários no ano do seu surgimento, para 204 parlamentares, conforme o último relatório divulgado pela Câmara dos Deputados[3], em 09/11/2015. Um crescimento de aproximadamente 78%.

Vale frisar que mesmo que seja conhecida por bancada evangélica, ela deve ser citada como Frente Parlamentar[4] Evangélica (FPE), uma vez que ela não representa um agrupamento partidário e sim a reunião de um grupo de parlamentares de diversos partidos que lutam por uma causa em comum, conforme definição da Câmara de Deputados.

Frente Parlamentar evangélica X Movimento LGBT


Segundo sua página oficial na rede social Facebook[5], a FPE tem como foco “a defesa dos princípios e valores da família, entre os quais o direito à vida” e suas ações e conceitos são fundamentadas principalmente, nos ensinamentos bíblicos, o que faz com que constantemente existam atritos entre a FPE e outras organizações sociais, como o movimento civil LGBT[6], que luta pela igualdade de direitos dos homossexuais e principalmente, contra a homofobia. Entre os inúmeros casos de divergências entre estas duas frentes, podemos destacar o Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011), de autoria do deputado federal João Campos, do PSDB/GO que requisitava a suspensão de aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de março de 1999, que estabeleceu normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual e definiu que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio e ou perversão e por isso não poderia ser tratada como tal. Embora tenha sido apresentada em 2011, este Projeto de Decreto Legislativo continua sujeito à apreciação do plenário[7].

Outro projeto polêmico foi o Projeto de Lei nº 4931/2016, de autoria do pastor evangélico e deputado federal pelo Rio de Janeiro Ezequiel Teixeira, filiado ao Podemos (PODE), anteriormente denominado Partido Trabalhista Nacional (PTN). O projeto reforça o pedido de tratamento médico aos “transtornos psicológicos de orientação sexual”, possibilitando a “modificação da orientação sexual em atenção a dignidade humana”, justificando que os homossexuais são “indivíduos em profundo sofrimento psíquico em decorrência desses transtornos”, conforme exposto no primeiro artigo do Decreto de Lei:
Art. 1º Fica facultado ao profissional de saúde mental, atender e aplicar terapias e tratamentos científicos ao paciente diagnosticado com os transtornos psicológicos da orientação sexual egodistônica, transtorno da maturação sexual, transtorno do relacionamento sexual e transtorno do desenvolvimento sexual, visando auxiliar a mudança da orientação sexual, deixando o paciente de ser homossexual para ser heterossexual, desde que corresponda ao seu desejo (TEIXEIRA, 2016).
Este projeto entrou para apreciação conclusiva na mesa diretora da Câmara dos Deputados no dia 20/04/2016[8] e aguarda conclusão. Em uma entrevista a revista Carta Capital, a advogada e mestra em ciência da religião Marselha Evangelista de Souza analisou essa relação conflituosa entre a FPE e o movimento LGBT e colocou que:
A homossexualidade é um pecado ou uma doença está na crença de um comportamento não aceito por Deus. Os evangélicos acreditam na condenação bíblica desse comportamento e aí as práticas de cura são conhecidas e divulgadas por meio de canais de televisão, congressos, encontros cristãos, entre outros. Mas, neste momento, os parlamentares evangélicos se descolam desse discurso e tentam aproximá-lo do teor de liberdade sexual e da mudança de orientação, já que do ponto de vista deles isso não é biologicamente determinado (RAMOS , 2017).
Além dos fundamentos bíblicos como criacionismo, a imposição da determinação biológica é outro argumento frequentemente utilizado pela FPE, que defende que “ninguém nasce homossexual”[9]. Tal posicionamento é conflitante principalmente com as discussões sobre questões de gênero e transgênero[10], temáticas que passaram a figurar debates em todas as esferas sociais, conforme nos diz Alexandre Soares:
Com o avanço das liberdades individuais e das ciências, as fronteiras de gênero, antes completamente fechadas, não se mostram tão limitadas. Falar sobre gênero deixou de ser, em termos gerais, menos problemático. Novas identidades ocupam/exigem espaços e questionam o repertório de referências naturalizados (e herdados) (SOARES, 2017, p. 198).
Até mesmo dispositivos midiáticos e canais de comunicação fomentam a discussão sobre as questões de gênero e as pessoas que transgridem as posições de gêneros hegemônicas, impostas pela (não)binariedade cromossômica, conforme nos coloca o autor:
Canais abertos e fechados, revistas, novelas de televisão, jornais, propagandas publicitárias, programas com altos índices de audiência têm retratado o tema com menos pudor, socializando, assim, casos que antes eram tratados de forma silenciosa (re)forçando sua interpretação sempre a partir de anormalidades, erros, doenças, pecados que sustentavam os sentidos sobre as sexualidades não-hegemônicas (SOARES, 2017, p. 198).
Mas é preciso colocar que a crescente visibilidade da discussão sobre gênero e transgeneridade no Brasil não é por acaso.

Escola Sem Partido e as questões de gênero



O Programa Escola sem Partido, movimento político criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib surgiu com o intuito de evitar a "doutrinação ideológica" nas escolas, percebida pelo advogado quando sua filha chegou da escola dizendo que o professor de história havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis[11], um dos santos mais populares da igreja católica.

A partir disso ele criou cartazes com uma lista de "deveres do professor" (conforme Anexo A), informando que todos os deveres já eram existentes pois provinham da própria Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e por isso os professores eram obrigados a respeitá-los. Para os casos que o professor não respeitasse os preceitos do cartaz, Nagib também criou um modelo de notificação extrajudicial para os pais entregarem ao professor em caso de percepção de doutrinação ideológica.

O projeto, que tem como apelo a frase “Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar” serviu como base para mais de 70 outros Projetos de Lei, em sua maioria impetrados por parlamentares ligados a FPE, como o Projeto de Lei n° 1859/2015, de autoria conjunta de mais de 10 deputados, que proíbem que ocorra em sala de aula “a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais” e também a “proibição da ‘ideologia de gênero’ ou orientação sexual na educação”


O Projeto de Lei em 10 de junho de 2015 pretendia acrescer um parágrafo ao artigo 3º da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que decretava em seu 2º artigo:
Art. 2º O art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), passa a vigorar acrescido do seguinte Parágrafo Único:  A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual” (FERREIRA, RICK, CAMPOS, & CARIMBÃO, 2015).

A justificativa para tal proibição era o “princípio constitucional da especial proteção do Estado à família” e a “contradição constitucional um sistema educacional concebido com o objetivo específico de destruir a própria família como instituição.”

O sistema educacional referido no Projeto de Lei era o Plano Nacional de Educação[12] para o decênio 2011-2020, que continha diretrizes como promover a diversidade de gênero, disseminar materiais pedagógicos que promovam a igualdade de gênero, orientação sexual e identidade de gênero e garantir condições institucionais para a promoção da diversidade de gênero e diversidade sexual.

Tal posicionamento da FPE frente ao PNE produziu reações do Conselho Nacional dos Direitos Humanos[13], que através da resolução nº 7, de 23 de agosto de 2017 manifestou seu repúdio a quaisquer iniciativas com “objetivo de restringir a liberdade de comunicação e impedir a referência a gênero e sexualidade em ambiente escolar”, impedindo uma censura religiosa cuja proposta era impedir uma discussão sobre o assunto. No dia 20/11/2017, pouco menos de três meses após publicação da resolução, o senador evangélico Magno Malta (PR-ES), um dos grandes defensores do Programa Escola Sem Partido e ligado a FPE, solicitou a retirada em caráter definitivo[14] do Projeto de Lei que pretendia incluir as diretrizes do programa no PNE.

A campanha “#RespeiteAsDiferenças”


Após a posição do organismo, que se mostrou favorável ao livre debate sobre gênero e sexualidade humana em âmbito escolar emitiu a resolução[15], o Poder Executivo Federal, através do Ministério dos Direitos Humanos intensificou veiculação da campanha “Deixe o preconceito de lado, respeite as diferenças”, lançada no dia 28/06 nas redes sociais do Ministério dos Direitos, em alusão ao Dia do Orgulho LGBT.

No vídeo, existem pessoas distintas que possuem a mesma voz, falando sobre o processo de auto aceitação e da consciência de que suas diferenças não afetam em nada sua inteligência, sua identidade, conforme ilustrado nas figuras abaixo.

Figura 1: Campanha Ministério dos Direitos Humanos - Dúvida


Figura 2: Campanha Ministério dos Direitos Humanos – Auto aceitação

Figura 3: Campanha Ministério dos Direitos Humanos – Respeite as diferenças


Figura 4: Campanha Ministério dos Direitos Humanos – Governo Federal



A campanha "Momentos que Marcam"



A multinacional britânica-neerlandesa Unilever é uma grande entusiasta na discussão das questões de gênero, e tem como um de seus compromissos justamente estimular a diversidade e a igualdade entre todos os gêneros. Possui diversas iniciativas internas que promovem o empoderamento feminino, participa de campanhas mundiais de igualdade de gênero como a campanha #HeforShe, lançada pela ONU em 2014 com o objetivo de envolver os homens na remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingir o seu potencial e financia pesquisas para expor os impactos dos estereótipos nas vidas das pessoas, como o Pensamento Livre de Estereótipos[16], estudo realizado no ano de 2016, com mais de nove mil pessoas em oito países, incluindo o Brasil, que buscou entender como as convenções sociais e vieses inconscientes impactam no desenvolvimento econômico da mulher.

Parte dos resultados da pesquisa foram reunidos em um infográfico[17] e disponibilizada pela Unilever através de um artigo em seu site, que também expõe a influência da propaganda no processo de reforço dos estereótipos de gênero na publicidade e a consequente necessidade de repensar a comunicação de marcas e produtos.
The Unstereotyped Mindset” mostra que é preciso repensar a divisão de trabalho doméstico, rever as atitudes no mundo dos negócios e revolucionar a comunicação de marcas e produtos. O estudo mostra ainda o papel significativo da propaganda neste processo: 70% dos entrevistados acreditam que o mundo seria melhor se as crianças de hoje não fossem expostas a estereótipos de gênero na publicidade (Press releases Unilever, 2017).
Os índices levantados pela pesquisa fizeram a Univeler adotar globalmente uma estratégia de diversidade, que está diretamente ligada à visão e a comunicação da companhia e suas marcas. Tanto, que na semana em que se comemora o dia das crianças no Brasil a fabricante de sabão em pó Omo lançou a campanha “Momentos que Marcam”, que fazia um chamado para pais e mães reverem as brincadeiras que reforçam clichês sobre gênero, como brincar de menina ser coisa de casinha ou andar de skate ser coisa de menino, conforme ilustração a seguir:

Figura 5: Campanha “Momentos que Marcam” - Teaser de reflexão


Figura 6: Campanha “Momentos que Marcam” - Recall


O vídeo que tem 75 segundos de duração, informa que o caráter do comunicado é educacional e convida os pais a deixarem seus filhos usar brinquedos sem se preocupar com sua cor ou padrões, dando exemplo que meninas podem brincar com panelinhas, mas também com carrinhos e meninos também podem brincar de casinha, conforme podemos observar no texto da campanha:


OMO convoca pais e mães a fazerem recall de todas as brincadeiras que reforcem clichês sobre gênero, com o objetivo de ressaltar a importância da experiência e do desenvolvimento das crianças. Meninas podem, sim, se divertir com minicozinha, mini aspirador e mini lavanderia, mas também podem ter acesso a fantasias de super-heróis, bloquinhos de construção, carrinhos velozes e dinossauros assustadores. E meninos também devem ter toda a liberdade para brincar de casinha, gostar de castelos, trocar fraldas de bonecas e ter uma incrível coleção de panelinhas. Porque mais importante do que o brinquedo é a brincadeira, a participação dos pais no processo de aprendizagem e os momentos que vão marcar a vida delas para sempre.
Esse comunicado tem caráter educativo e busca convidar pais e mães, nesta data tão especial, a incentivarem seus filhos a se divertirem sem se preocupar com cores, regras ou padrões. Junte-se à OMO na campanha pelo direito de toda criança de se sujar e brincar livremente. Compartilhe o vídeo e seus #MomentosQueMarcam ao longo da semana com a gente. Não deixe o Dia das Crianças passar em branco [18].
O vídeo da campanha foi veiculado primeiramente na rede social Facebook, e continua gerando reações diversas nos seguidores da marca. Em consulta a página oficial da marca no dia 24/11, a publicação tinha 610 mil visualizações, 3.029 compartilhamentos e 32 mil reações, sendo 19 mil contrárias e 13 mil favoráveis, conforme ilustrado:

Figura 7: Campanha “Momentos que Marcam” - Reações

Os comentários das pessoas contrárias a posição da marca refletiam a indignação e em alguns momentos até ofensa por uma possível intromissão da marca na forma de educar os filhos. Também tiveram manifestações pedindo que a empresa não se envolvesse mais em questões de gênero, se limitando a produzir sabão e houve quem fizesse alusão ao falecido coronel do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI[19], um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil.

Figura 8: Campanha “Momentos que Marcam” - Reações Contrárias

Nos comentários das reações favoráveis ao posicionamento as pessoas parabenizaram a empresa pela sua coragem em se posicionar sobre questões de gênero. A marca respondeu todos os comentários favoráveis, agradecendo o apoio.


Figura 9: Campanha “Momentos que Marcam” - Reações favoráveis


A campanha “Momentos que Marcam” foi a última campanha publicada na página oficial da marca Omo no Facebook até o momento. No dia 11/10/2017 a marca fez uma postagem na rede social se posicionando quanto às reações de sua campanha, conforme texto a seguir, retirado da postagem:

Vimos que tem muita gente falando da mensagem de OMO sobre o Dia das Crianças. Nossa intenção é celebrar que toda criança tem direito de se sujar e brincar livremente, de maneira positiva e saudável. Mais importante que o brinquedo é a brincadeira, o aprendizado, a participação dos pais e os Momentos que Marcam. É o que promovemos há 15 anos: os momentos positivos que resultam do brincar. Junte-se à OMO para comemorar o Dia das Crianças. Viva, se suje e compartilhe “Momentos que Marcam”[20].

Após essa postagem, a marca não se posicionou mais quanto a campanha ou questões de gênero na rede social Facebook.

Marcos Feliciano e o boicote a OMO


No dia 11/10/2017, o pastor e deputado federal pelo Partido Social Cristão (PSC/SP), Marco Antônio Feliciano fez uma publicação em sua página oficial do Facebook com a seguinte descrição “GUERRA DECLARADA! "OMO"FOBIA JÁ! ASSISTA, CURTA E COMPARTILHE!”, conforme ilustrado:

Figura 10: “Guerra declarada – Omo fobia” - Postagem

O vídeo com pouco mais de três minutos, expõe a indignação do parlamentar com a veiculação da campanha ““#RespeiteAsDiferenças” julgada como desnecessária pelo deputado e convoca pais e mães a realizarem um boicote a marca Omo, evitando comprar seus produtos até que “suspenda esta sórdida desconstrução da sociedade para implantar regimes onde o estado totalitário toma o lugar de Deus[21]”. No dia 24/11 a publicação contava com mais de 4.300 visualizações e 91 mil reações, sendo que apenas 1 600 dessas reações são contrárias a opinião do pastor.


Figura 11: “Guerra declarada – Omo fobia” – Reações


Nos comentários da publicação as principais manifestações são de aprovação ao posicionamento do parlamentar e afirmação ao boicote, mas também é possível perceber apoio à candidatura presidencial do também deputado federal Jair Bolsonaro e pedidos de sabotagem ao programa Criança Esperança da rede Globo e ao próprio Facebook, por criarem um ícone com a bandeira que defende a causa LGBT. Na ilustração abaixo, uma amostra dos 8,9 mil comentários que a publicação recebeu.

Figura 12: “Guerra declarada – Omo fobia” – Comentários

Outro ponto que merece atenção é o número de compartilhamentos da publicação do pastor Marcos Feliciano: Foram 191.110 compartilhamentos do vídeo do parlamentar contra 3.029 compartilhamentos da campanha da Omo[22]. Aproximadamente 63 vezes mais compartilhamentos. Esse dado mostra a grande influência digital e capacidade de publicações virais que possui o deputado, e nos faz perguntar: Quais atravessamentos estão presentes neste discurso? Onde estão representados os retornos aos espaços do dizer?

Pois o sujeito quando toma a palavra, mesmo que movimente sua relação de sentidos, fala com palavras já usadas, já presentes em sua memória discursiva. É nesse encadeamento entre o já conhecido e novos sentidos, que se origina a (re)significação do sujeito e dos sentidos, mesmo que eles ainda não estejam acabados, uma vez que o próprio discurso é a palavra em constante movimento, sujeitas ao equívoco, as rupturas da história e da própria historicidade e a permanente produção de diferentes sentidos ao longo dos tempos. Conforme Orlandi:

[...] a língua é sujeita ao equívoco e a ideologia é um ritual com falhas que o sujeito, ao significar, se significa. Por isso, dizemos que a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo um trabalho contínuo, um movimento constante do simbólico e da história (ORLANDI, 2009, p. 37).



[1] SCHMITT, G. Levantamento aponta Temer como presidente mais rejeitado do mundo. Disponível em O GLobo: <https://oglobo.globo.com/brasil/levantamento-aponta-temer-como-presidente-mais-rejeitado-do-mundo-21994959> Acesso em 20 de Novembro de 2017,
[2] Traduzido do inglês: “And disillusioned Brazilians are increasingly looking to free-market liberals, evangelical Christians, and rightwing populists.”  PHILLIPS, D. Brazil's right on the rise as anger grows over scandal and corruption. Disponível em https://www.theguardian.com/world/2017/jul/26/brazil-rightwing-dilma-rousseff-lula Acesso em 15 de novembro de 2017
[3] Camâra dos Deputados: Frentes e grupos parlamentares.Disponível em < http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658 >  Acesso em 21 de Novembro de 2017
[4] Conforme o Ato da Mesa nº 69, de 2005, Frentes Parlamentares são associações de membros do Legislativo Federal de vários partidos que decidem se juntar para promover o debate e a legislação sobre determinado tema de interesse da sociedade. (Câmara dos Deputados: Frentes e grupos parlamentares. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/deputados/frentes-e-grupos-parlamentares > Acesso em 21 de Novembro de 2017
[5] Frente Parlamentar Evangélica. Sobre. Disponível em <https://www.facebook.com/pg/frenteevangelicaparlamentar/about/?ref=page_internal > Acesso em 12 de Novembro de 2017
[6] Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.
[7] Camâra dos Deputados: Atividade Legislativa / Projetos de Lei e Outras Proposições.Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=505415 >  Acesso em 21 de Novembro de 2017
[8] Camâra dos Deputados: Atividade Legislativa / Projetos de Lei e Outras Proposições.Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081600 >  Acesso em 21 de Novembro de 2017
[9] BRESCIANI, E. Em ato contra gays, Silas Malafaia diz que união homoafetiva é crime. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-ato-contra-gays-silas-malafaia-diz-que-uniao-homoafetiva-e-crime,1039203 Acesso em 15 de 09 de 2017
[10] Podemos entender como “transgênero” os sujeitos que não se identificam com o gênero atribuído socialmente, ou “constituição de um sujeito que situa seu corpo em um entre-lugar entre as posições binárias de gênero reconhecidas e legitimadas em nossa formação social” (FERREIRA M. C., 2016).
[11] BEDINELLI, T. “O professor da minha filha comparou Che Guevara a São Francisco de Assis”.Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html Acesso em 02 de Novembro de 2017
[12] Doravante PNE
[13] Apesar de ser um organismo do Estado, o CNDH é composto por 22 membros, sendo que metade dos seus representantes da sociedade civil, enquanto a outra metade pode ser composta por parlamentares. Doravante CNDH
[14] Requerimento disponível para consulta em: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7278866&disposition=inline Acesso em 22/11.
[15] FRIGO, D. Resolução nº 7, de 23 de agosto de 2017.Disponível em: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/cndh/resolucoes/Resoluon07escolasempartido_APROVADA.pdf> Acesso em 20 de novembro de 2017
[16] Traduzido do inglês: “The Unstereotyped Mindset”
[17] Disponível no Anexo C do presente projeto
[18] Texto retirado do vídeo da campanha “Momentos que Marcam”, disponível para acesso na página oficial da Omo no YouTube no endereço < https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=CKqCidMktkY > Acesso em 02/11
[19] Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna. Órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro, criado durante o regime militar de 1964. Disponível em https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/doi-codi/ Acesso em 20/11/2017
[20] Texto retirado da postagem da Omo no Facebook. Disponível para acesso em < https://www.facebook.com/pg/omobrasil/posts/ > Acesso em 02/11
[21] Parte do texto retirada da fala do pastor Marcos Feliciano no vídeo “Guerra declarada – Omo Fobia”. A Íntegra do texto pode ser consultada nos Anexo D do presente projeto.
[22] Foram considerados apenas os compartilhamentos registrados nas páginas oficiais da Omo Brasil e do Pastor Marcos Feliciano no Facebook. As páginas foram acessadas no dia 24/11/2017.


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