sábado, 3 de junho de 2017

O acesso público de informações na era digital: o legado do estudante e ativista Aaron Swartz

Autora: Maria Luiza
RSV


Talvez você já tenha ouvido falar da história de Aaron Swartz. Um jovem que resolveu baixar alguns arquivos de uma página de repositório antigos da universidade onde estudava , o MIT. Parece algo comum, porém isso resultou em um processo e em uma investigação que poderia leva-lo á 35 anos de prisão além de uma multa de US$ 1 milhão. Mas acabou resultando em algo ainda pior.





Aaron foi um jovem programador e um dos fundadores do Reddit, um site de mídia social no qual usuários podem divulgar ligações para conteúdo na Web e outros usuários podem então votar positivamente ou negativamente nos links divulgados, fazendo com que apareçam de uma forma mais ou menos destacada na sua página inicial. Também foi co-autor da especificação RSS e criador do Open library. O sucesso desses trabalhos rendeu a ele prestígio na comunidade acadêmica e científica, mas ele tinha outros objetivos. Não se encaixava no mundo do “Vale do Sílicio” e de grandes corporações, Aaron tinha objetivos políticos, e não financeiros.
Durante toda sua vida, ele usou suas habilidades em programação para tentar resolver problemas e tornar o mundo um lugar melhor. Seu ativismo e sua luta pela democracia e pela liberdade foram sua grande marca.
O caso histórico foi quando ele decidiu realizar o download massivo de milhões de artigos acadêmicos de uma base de dados privada chamada JSTOR. Journal Storage (JSTOR) é um sistema online de arquivamento de artigos acadêmicos.

Aaron era fortemente contra a prática do JSTOR de cobrar pelos acessos aos artigos, limitando o acesso para finalidades acadêmicas, além de compensar editoras e grandes corporações que lucram milhões com isso, e não os autores. Esse questionamento sobre as leis de direitos autorais também é feito pelo grupo de hackers que viria a surgir, conhecido hoje como anonymous. 
A ideia de liberdade de informação e acesso público é algo que incomodou o governo dos EUA a ponto de perseguir juridicamente Aaron Swartz. Logo após esse episódio, mesmo com a JSTOR e o MIT não tomando posição sobre o caso, o governo manteve o processo e acusações contra Aaron. Ele já havia sido processado antes por distribuir informações em domínio público, que apesar de ser conteúdo de acesso público, no caso do PACER ((Public Access to Court Electronic Records) com documentos do judiciário dos EUA, ainda assim havia limitações e cobrança por acessos, algo que ele achava um grande atentado a democracia. Mas depois as acusações foram retiradas.


Swartz não chegou a divulgar os downloads do JSTOR, mas foi acusado de “fraude eletrônica, fraude de computador, de obtenção ilegal de informações a partir de um computador protegido”.
Mesmo depois de se entregar e devolver os arquivos baixados, as investigações não pararam. A forma como o governo americano tratou o caso, como o estudante foi duramente perseguido, as punições rígidas para o que muitos nem sequer acreditam ter sido um crime, levantaram um grande debate sobre o sistema de segurança da internet e sobre a lei de copyrights.
Disso surgiu a organização Demand Progress, fundada pelo próprio Aaron, com objetivo de “conquistar progressivas mudanças na política pública, em especial nas liberdades e direitos civis e reforma governamental”.  Ela surgiu como uma resposta ao SOPA , um projeto de lei que “amplia os meios legais para que detentores de autor possam combater o tráfego online de propriedade protegida de artigos falsificados.” Para muitos essa lei é uma forma de censura e um atentado a liberdade de expressão, e segundo Aaron a SOPA iria “arruinar a internet” e “dar ao governo e corporações o poder de bloquear o acesso a internet de cidadão americanos e coloca-los na cadeia por fazer streaming de certos conteúdos.”
Nesse cenário, um texto antigo do estudante acabou viralizando, o “Manifesto da guerrilha do acesso aberto”. Segue abaixo alguns trechos:
Informação é poder. Mas, como todo o poder, há aqueles que querem mantê-lo para si mesmos. A herança inteira do mundo científico e cultural, publicada ao longo dos séculos em livros e revistas, é cada vez mais digitalizada e trancada por um punhado de corporações privadas.
(..)
Esse é um preço muito alto a pagar. Obrigar pesquisadores a pagar para ler o trabalho dos seus colegas? Digitalizar bibliotecas inteiras mas apenas permitindo que o pessoal da Google possa lê-las? Fornecer artigos científicos para aqueles em universidades de elite do Primeiro Mundo, mas não para as crianças no Sul Global? Isso é escandaloso e inaceitável.
(...)
Aqueles com acesso a esses recursos – estudantes, bibliotecários, cientistas – a vocês foi dado um privilégio. Vocês começam a se alimentar nesse banquete de conhecimento, enquanto o resto do mundo está bloqueado. Mas vocês não precisam – na verdade, moralmente, não podem – manter este privilégio para vocês mesmos. Vocês têm um dever de compartilhar isso com o mundo.  E vocês têm que negociar senhas com colegas, preencher pedidos de download para amigos.
(...)
Grandes corporações, é claro, estão cegas pela ganância. As leis sob as quais elas operam exigem isso – seus acionistas iriam se revoltar por qualquer coisinha. E os políticos que eles têm comprado por trás aprovam leis dando-lhes o poder exclusivo de decidir quem pode fazer cópias.
Não há justiça em seguir leis injustas. É hora de vir para a luz e, na grande tradição da desobediência civil, declarar nossa oposição a este roubo privado da cultura pública.”


Será justa a forma como é tratado os direitos autorais e a propriedade intelectual? Devemos deixar conhecimento e informações que podem melhorar o mundo na mão de corporações que apenas visam o lucro? Ação voluntária das pessoas e seus esforços em ajudar a tornar o mundo melhor deveria ser uma alternativa?  Mudanças sobre copyright mudariam todo o sistema capitalista como é hoje? O acesso a informação pode trazer muitos avanços pra sociedade, um exemplo dos caminhos que essa ideia propagada por Aaron abriu, foi o caso do jovem de 15 anos que desenvolveu um teste para diagnosticar precocemente 3 tipos de câncer, incluindo um dos mais letais: o de pâncreas. Algo que talvez nunca teria acontecido se não fosse o acesso a revistas on-line.


 

Mas mesmo depois de todo ativismo e apoio recebido por Aaron, e toda mobilização da internet, o governo dos Estados Unidos não cedeu e continuou sua tortuosa perseguição. Na noite de 11 de janeiro de 2013, Aaron foi encontrado morto em seu apartamento. Um caso de suicídio que chocou a todos. Houve uma grande repercussão e mobilização nas redes sociais. A frustração da internet com a morte de Swartz ecoa a indignação com a crescente caçada aos hackers pelo governo. Segurança cibernética é, no momento, um dos maiores problemas dos governos, mas na falta de uma estratégia real pra resolver o problema, os federais decidiram aplicar uma abordagem muita dura.



Mas o legado de Aaron Swartz persiste. Wikilieaks, Anonymous, dentre outros grupos de hackers que questionam os governos e a liberdade de expressão na internet, e até o mais recente ataque cibernético que afetou mais de 100 países pelo mundo provam isso. Muitas leis na internet mudaram depois desse caso. O projeto de lei SOPA nao foi aprovado graças a Swartz e a toda pressão das pessoas incentivadas por esse debate que veio á tona. 



Estamos vivendo uma época em que grandes injustiças não sofrem consequências. Os causadores da crise financeira jantam regularmente com o presidente. A pergunta é: podemos fazer alguma coisa, dado o que aconteceu, para tornar o mundo um lugar melhor? E como podemos promover esse legado?
A luta para que o acesso ao conhecimento seja um direito humano não pode acabar.



Referências

1.     IMDB - The Internet's Own Boy: The Story of Aaron Swartz (http://www.imdb.com/title/tt3268458/)

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