Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) ganhou destaque nas redes sociais por sua capacidade de criar imagens e vídeos hiper-realistas que desafiam a percepção humana do que é verdadeiro. No campo da estética e dos cosméticos, esse avanço tecnológico tem gerado impactos profundos, especialmente pela forma como molda padrões de beleza e influencia o comportamento dos consumidores.
Deep Beauty e a estética artificial
A partir do uso de filtros avançados, vídeos editados por IA e algoritmos de recomendação, surgem conteúdos visuais tão realistas que se tornam praticamente indistinguíveis da realidade. Essa prática, conhecida como deep beauty, representa o uso da inteligência artificial para suavizar imperfeições, simular maquiagens ou até modificar traços faciais em tempo real — muitas vezes sem que o público perceba que está diante de uma imagem alterada artificialmente.
Publicidade enganosa e padrões inalcançáveis
Esse cenário levanta questões éticas importantes, pois muitos desses conteúdos são usados para promover produtos cosméticos e procedimentos estéticos, o que pode configurar publicidade enganosa. A ausência de transparência quanto à manipulação digital mina a confiança do consumidor e alimenta expectativas irreais sobre os resultados de produtos ou tratamentos de beleza.
Além disso, o uso de IA nesses contextos pode reforçar padrões de beleza excludentes e inatingíveis. Como a maioria dos algoritmos é treinada com bases de dados enviesadas, o ideal de beleza promovido tende a ser padronizado: pele clara, rosto simétrico, traços eurocêntricos e ausência de rugas ou marcas naturais. Isso limita a representatividade e reforça a marginalização de corpos e identidades diversas.
Impactos na saúde mental
Outro aspecto preocupante é o impacto psicológico. O contato constante com imagens hiper-realistas pode afetar a autoestima de usuários, especialmente jovens, que comparam sua aparência natural com versões idealizadas e artificialmente melhoradas. Estudos já associam o uso excessivo de filtros com transtornos de imagem, como a dismorfia corporal e o desenvolvimento de padrões obsessivos com a estética.
O filtro “Bold Glamour” e o debate atual
Um exemplo recente é o polêmico filtro Bold Glamour, do TikTok, que viralizou por gerar um efeito extremamente realista de maquiagem e simetria facial, sem distorções visíveis. Apesar de impressionar tecnicamente, ele reforça ideais de beleza irreais e levanta alertas sobre seus efeitos psicológicos negativos.
IA como ferramenta de manipulação
Atualmente, existem aplicativos de beleza com tecnologia baseada em IA capazes de alterar vídeos em tempo real. Alguns criam maquiagens artificiais perfeitas; outros remodelam o rosto de forma sutil, mas eficiente. Ao serem usados em vídeos publicitários, esses recursos tornam-se ferramentas de manipulação, influenciando o consumidor a desejar resultados que, na realidade, não podem ser alcançados por nenhum cosmético.
O uso desses artifícios, quando não é devidamente informado ao público, pode infringir diretrizes de publicidade de órgãos reguladores, como a Anvisa e o Conar. Além disso, essa prática camufla os verdadeiros efeitos dos produtos, dificultando o julgamento racional e consciente do consumidor.
Uma questão de saúde pública e responsabilidade digital
Nesse contexto, a presença da IA nas redes sociais, especialmente quando aplicada à estética, deixa de ser apenas uma tendência tecnológica e passa a ser uma questão de saúde pública, inclusão social e responsabilidade digital. É fundamental promover a educação midiática, para que os usuários saibam identificar conteúdos manipulados e desenvolver um senso crítico diante do que consomem nas redes.
Conclusão
Embora a inteligência artificial represente avanços notáveis no setor de beleza e nas redes sociais, seu uso indiscriminado para criar imagens hiper-realistas e alterar aparências pode gerar consequências graves. A promoção de padrões estéticos inalcançáveis, a publicidade enganosa e os impactos psicológicos precisam ser reconhecidos e enfrentados com medidas éticas e regulatórias.
Cabe às plataformas digitais, marcas e influenciadores exercerem sua responsabilidade no combate à desinformação estética, promovendo a diversidade e valorizando a beleza real, em vez de fomentar um ideal distorcido e artificial. A IA, quando mal utilizada, não só mascara a realidade — mas compromete a relação entre imagem, identidade e bem-estar.
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