sábado, 2 de novembro de 2024

Do Colonialismo ao Algoritmo: A Nova Face da Exploração Digital

EGC5020-09318/10316 (20242) - Redes Sociais e Virtuais
Gabriela Gonçalves Gasparino Martins - 24208031


Nos últimos anos, o crescente poder das empresas de tecnologia e a massiva coleta de dados trouxeram à tona novas formas de desigualdade que impactam profundamente comunidades marginalizadas. As práticas de empresas e governos em relação ao controle de dados, somadas à falta de regulamentação, acabam reforçando desigualdades e ampliando o poder dos mais privilegiados.

Com dados pessoais e comportamentais extraídos, grandes corporações como Google, Facebook e Amazon alimentam um fenômeno descrito por estudiosos como "colonialismo digital", um termo que denota a exploração econômica e social em contextos digitais. Neste cenário, o acesso e controle dos dados, tanto por empresas quanto por governos, evidenciam assimetrias de poder que perpetuam preconceitos históricos e criam novas formas de exclusão digital.

Essa concentração de dados não gera, na mesma medida, benefícios para as comunidades e países que fornecem essas informações. Faustino e Lippold (2023) descrevem essa prática como uma forma de "acumulação primitiva", descrita por Marx, adaptada ao contexto digital. Assim como no colonialismo clássico, em que os recursos naturais eram retirados das colônias para enriquecer as metrópoles, os dados extraídos de países em desenvolvimento são centralizados nas mãos de grandes empresas, enquanto as comunidades e regiões fornecedoras permanecem à margem dos avanços e dos lucros gerados, discriminando indivíduos e comunidades com base em características como etnia e localização geográfica.

 

Como o Colonialismo Digital Amplia a Desigualdade

Estudos indicam que redes sociais como Facebook e Instagram tendem a amplificar conteúdos polarizados e sensacionalistas, o que pode reforçar divisões sociais e até alimentar a disseminação de estereótipos. A socióloga Safiya Noble, em suas pesquisas sobre "racismo algorítmico", argumenta que essa concentração de dados e poder tecnológico também perpetua preconceitos e desigualdades preexistentes, especialmente quando os dados são usados para criar algoritmos que reforçam estereótipos. Como consequência, o efeito que essa acumulação de dados tem sobre as comunidades negras e indígenas, é que são frequentemente representadas de forma estereotipada ou sub-representadas nos dados utilizados para treinar algoritmos de inteligência artificial. Segundo Ruha Benjamin em Race After Technology (2019), a falta de diversidade no desenvolvimento de tecnologia resulta em algoritmos e plataformas que não consideram as necessidades e os contextos de comunidades marginalizadas, mantendo-as em desvantagem e, muitas vezes, invisibilizadas. Portanto, essas pessoas podem enfrentar uma representação distorcida ou negativa, impactando diretamente suas interações e oportunidades nas redes sociais.

 


Além disso, a chamada "alienação tecnológica" revela como as big techs, especialmente Google e Microsoft, monopolizam as ferramentas digitais e os dados que coletam. Durante a pandemia, isso se tornou ainda mais evidente, com plataformas como Google Drive, Classroom e Meet se tornando essenciais para a educação remota.

Esse monopólio não apenas controla a comunicação e o armazenamento, mas também depende de hardware e matérias-primas extraídas de maneira predatória, ligadas a práticas de exploração violenta. Assim, o "colonialismo digital" se estabelece, combinando altos níveis de desenvolvimento tecnológico nos países centrais com a extração de recursos, o extrativismo de dados e a racialização codificada (Faustino; Lippold, 2023).

 

Desafios e Perspectivas para uma Economia Digital Inclusiva

Regular esse poder se torna um desafio significativo. Propostas como o Projeto de PL 2630 no Brasil, que busca regulamentar o uso das redes sociais e combater as fake news, enfrentam resistência das big techs, que frequentemente atuam por meio de lobbies poderosos para proteger seus interesses.

Na sociologia, essas dinâmicas que investigam a influência das tecnologias de rede no quesito político e social, fazem parte de estudos recentes, que só agora vem sendo inseridos no contexto do capitalismo moderno e da globalização. No campo das História digital surgem também críticas veementes, como as produzidas por Fortes e Alvim (2020, 209): A atuação nesse ambiente digital que permeia crescentemente a produção e circulação do conhecimento histórico desafia  os  pesquisadores  a  irem além   de   uma   compreensão   instrumental   e   consumista   das   novas tecnologias. Cada vez mais é necessário posicionar-se diante dos grandes enfrentamentos   políticos   relativos   a   questões   como   propriedade intelectual e políticas de informação científica.

Em meio a esses desafios, estudiosos e ativistas têm demandado políticas globais de proteção e regulação de dados que promovam uma divisão mais equitativa dos benefícios digitais. Em seu livro ColonialismoDigital: Por uma Crítica Hacker-Fanoniana, Faustino (2023) argumenta que é necessário adotar uma abordagem crítica e anticolonial ao uso de dados e desenvolvimento de algoritmos, defendendo uma perspectiva hacker-fanoniana que vise a ruptura com estruturas de poder e exploração.

Fonte: Deivision Faustino e Walter Lippold, 2023.

Além disso, iniciativas como a Algorithmic Justice League, liderada por Joy Buolamwini, visam expor os vieses algorítmicos e incentivar práticas mais responsáveis por parte das empresas de tecnologia, com foco na construção de uma tecnologia mais inclusiva e justa.

Também cresce um movimento global que defende o acesso aberto e a ciência aberta, promovendo softwares livres e repositórios institucionais para facilitar a disseminação de conhecimentos e dados. Essa resistência busca democratizar o acesso à informação, desafiando a hegemonia das big techs.

Por último, o ativismo digital é representado por figuras como Alexandra Elbakyan, criadora do Science Hub. Embora enfrentando perseguições e críticas, ela é reverenciada por muitos pesquisadores, especialmente no Hemisfério Sul, que veem em sua iniciativa uma forma de reduzir a distância entre eles e as condições de trabalho nos países desenvolvidos.

O combate à exploração digital é portanto complexo e exige um esforço global. Um futuro digital mais responsável requer a colaboração entre governos, empresas e a sociedade civil. Há a necessidade de um debate ético e de políticas que considerem o impacto das redes sociais e das tecnologias de rede nas desigualdades raciais e econômicas.


Para saber mais:

Vídeo: Colonialismo Digital por Deivison Faustino e Walter Lippold | Uma breve apresentação do livro



Referências:

ALMEIDA, L. de A.; DANTAS, M. de F. "Da extração de dados à colonialidade digital: desafios e perspectivas na era da informação." Revista Germinal, v. 13, n. 2, p. 41-61, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/49760/27526. Acesso em: 02/11/2024.

CAVALCANTI, José A. G. T. de; KOWALCZUK, Rafael P. "Do colonialismo digital à economia de dados: a crítica à era da informação." Aurora - Revista de Arte, Cultura e Política, v. 13, n. 1, p. 45-63, 2021. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/aurora/article/view/63042. Acesso em: 02/11/2024.

FAUSTINO, M. A.; LIPPOLD, I. "Colonialismo digital: uma crítica à relação entre tecnologia, colonialidade e poder." Colonialismo Digital. São Paulo: [editora], 2023. Disponível em: https://www.google.com.br/books/edition/Colonialismo_digital/2xvBEAAAQBAJ?hl=pt-BR&gbpv=1&pg=RA1-PA2&printsec=frontcover. Acesso em: 02/11/2024.

FELIPE, Hélio; SANTOS, Darlene. "Construção e Desconstrução da Informação na Era Digital: um olhar sobre a informação na web." Trabalho e Pesquisa em Biblioteconomia e Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 32-49, 2023. Disponível em: https://revistas.ancib.org/index.php/tpbci/article/view/693/590. Acesso em: 02/11/2024.

NKOSI, Deivison. "Colonialismo Digital." Colonialismo Digital. 2023. Disponível em: https://deivisonnkosi.com.br/pub/colonialismo-digital/. Acesso em: 02/11/2024.

SOARES, S. da S.; CAVALCANTE, F. de A. "Políticas de Acesso e Inclusão Digital: desafios e possibilidades." Dike, v. 14, n. 1, p. 21-35, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/dike/article/view/15223. Acesso em: 02/11/2024.

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