sábado, 17 de abril de 2021

As redes sociais e a polarização politica no Brasil

Aluno: Túlio Gonçalves Sodré

Matrícula: 16101448


    Uma das premissas fundamentais de uma democracia é o direito de opinião e livre manifestação de ideias, que muitas vezes contribuem para a construção de soluções de problemas existentes na sociedade. Essas ideias dificilmente são uma unanimidade e para destravar as divergências e chegarmos a soluções factíveis aplicadas na prática precisamos passar  pela negociação entre diferentes grupos dentro do sistema político nacional. 

    No entanto, observamos hoje uma divisão na sociedade entre grupos que defendem ideias opostas e cada vez mais as pessoas parecem menos interessadas em construir pontes de diálogo com o lado discordante em prol de uma negociação para alcançar uma solução comum. A polarização política no país assumiu novos contornos, onde um lado vê o outro como inimigo ou como intelectualmente inferior¹.  Esse fenômeno não é exclusivo da democracia brasileira e é facilmente observável nos vizinhos Paraguai, Argentina, Venezuela e até mesmo em democracias mais antigas e consideradas por muitos como exemplares como os Estados Unidos e Reino Unido.²

    O enfraquecimento da democracia é tema de destaque na imprensa onde previsões terríveis são apresentadas indo do caos social a conflitos internos e possibilidade de ditaduras³. Uma unanimidade rara, no entanto, é vista quando esse tema é apresentado: As redes sociais são responsáveis por boa parte da polarização política e pela ascensão de políticos menos tradicionais ou com menos visibilidade até então. Como se chegou a esse patamar e como o futuro das redes sociais pode influenciar o futuro das democracias do planeta?

    Uma das principais novidades que as redes sociais trouxeram ao mundo foi a possibilidade de formar grupos de interesse em comum em fóruns de discussão que depois migraram para grupos de redes sociais mais complexas e bem elaboradas. Esses grupos vão do entretenimento inocente como um grupo de entusiastas de figurinhas da copa do mundo até criminosos como neonazistas e predadores sexuais. À medida que as pautas políticas foram ocupando as redes sociais, foi possível observar o crescimento da discussão de pautas que até então estavam limitadas as universidades, mercado financeiro e outros integrantes da elite econômica e intelectual do país. Com a popularização da internet no país, uma parcela importante da população que estava totalmente excluída do debate político passou a discutir e se posicionar através das redes sociais e uma parcela ainda a utiliza desde então para se informar o que gerou vários problemas com notícias falsas que até hoje não conseguimos resolver. As redes sociais mostraram seu potencial de sair do virtual e impactar no mundo real em 2013, quando milhões de brasileiros foram as ruas em manifestações históricas organizadas a partir do Facebook começando com páginas como o Movimento Passe Livre que protestavam contra o aumento das passagens de ônibus e se expandiu crescendo de forma orgânica até alcançar outros temas como fim da corrupção, melhor educação e saúde. 


Manifestantes ocuparam as pontes de entrada e saída da Ilha de Santa Catarina (Foto: Alvarélio Kurossu/ Agência RBS)

Fonte:http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2013/06/cerca-de-89-mil-participaram-de-manifestacoes-em-sc-segundo-pm.html acessado em 17 de Abril de 2021.

As redes sociais também tiveram um papel importante nas eleições de 2014 numa disputa acirrada de Dilma Rousseff contra Aécio Neves onde pela primeira vez durante os debates políticos eram apresentadas contagens de tweets com a hashtags relacionadas ao debate ao vivo e com postagens de pessoas acompanhando o programa. Posteriormente surgiram outros grupos a partir do Facebook  como o Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) que conseguiram organizar manifestações pelo país com milhões de pessoas no total em apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. Uma nova geração de políticos gestados nas redes sociais surgiu como Kim Katamguiri e Fernando Holiday que são integrantes do MBL. O próprio presidente Bolsonaro foi eleito praticamente sem tempo de televisão para apresentar suas propostas, se comunicando com o eleitorado basicamente a partir das redes sociais, principalmente o WhatsApp. É certo que as redes sociais possuem impacto real na sociedade, mas a polarização que ganhou destaque vai além do surgimento de novos atores políticos e de uma nova ferramenta de comunicação.


 Manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo, para o protesto contra o Governo Dilma, pedindo o impeachment da presidente petista e o fim da corrupção Leo Pinheiro/VEJA.com

Fonte:https://veja.abril.com.br/brasil/movimentos-adiam-atos-de-31-de-julho-a-favor-do-impeachment/ acessado em 17 de Abril de 2021.

As redes sociais foram construídas para prender a atenção do usuário e a empresa lucra com os comerciais que estão inseridos na linha do tempo infinita que é disposta de forma que as pessoas passem o maior tempo possível entretidas na rede. “Nós não somos clientes das redes sociais – Somos seus produtos” (HARARI; YURVAL, 2015 posição 1376) Para cumprir essa função de prender a atenção do usuário, o conteúdo apresentado a partir da similaridade com outros conteúdos vistos anteriormente. Quando a pessoa interage com regularidade com uma página de conteúdo específico, a rede tende a reduzir conteúdo divergente o que coloca as pessoas em bolhas de informações, populadas por pessoas que pensam de forma parecida. Uma pessoa crítica ao presidente por exemplo tende a ver mais publicações de pessoas que também são críticas, justamente pela possibilidade de que você interaja com aquela publicação e permaneça mais tempo na rede. Uma pessoa que apoia o presidente certamente vai ver em sua linha do tempo mais conteúdo elogioso ao governo, que reforçam os pontos considerados positivos ou que apoiam o governante. Isso tem relação com a tendencia de nos relacionarmos com pessoas parecidas, mas principalmente pela segmentação prévia feita pela rede social que priva os usuários de ver  publicações discordantes com intuito de manter as pessoas consumindo publicidade nas redes por mais tempo. 

    Soma-se a isso o fato de que a maior fatia de usuários de redes sociais no Brasil são pessoas que utilizam celulares pré-pagos com planos que incluem redes sociais grátis.5 Nesses planos as pessoas não pagam para utilizar WhatsApp, Facebook e Instagram mas precisam pagar (Consome do crédito) quando entram em um site de notícias por exemplo, o que gerou um fenômeno em que milhões de pessoas passaram a se informam apenas pela manchete postada na rede social, sem entrar no link que detalharia o conteúdo. Os robôs que fazem publicações em perfis falsos nas redes sociais apoiando determinada causa ou pessoa também são uma ferramenta para a tentativa de influenciar o debate político. O escândalo da Cambridge analitica que utilizou o Facebook para tentar influenciar eleitores nos estados unidos e no reino unido, provou o perigo que as redes sociais podem ser se utilizadas por pessoas mal-intencionadas. O futuro da polarização política passa inevitavelmente pela discussão sobre regulamentação das redes sociais e fiscalização dos possíveis mal usos. 

Temos indícios de que sem um acerto de rota, as redes sociais podem criar um ambiente que favorece conflitos e pode culminar em enfraquecimento da democracia. Contudo, assim como as redes sociais trouxeram avanços inegáveis na integração da população ao debate político e na discussão de temas até então escanteados ela possibilita riscos em caso de mal uso. Para mudar esse cenário os líderes globais precisarão retomar a arte de negociação e construir pontes para construirmos redes sociais que aproximam pessoas e buscam solução de problemas ao invés de um ambiente tóxico palco de uma constantemente luta contra um inimigo que cometeu o erro de pensar diferente.

 

Referências

¹Portal UOL, São Paulo, 14 de Abril de 2019 disponível em (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/04/14/radicalismo-politico-no-brasil-supera-media-global.htm), acessado em 17 de Abril de 2021.

²Carnegie Endowment Foundation, Washington, 01de outubro de 2019 disponível em (https://carnegieendowment.org/2019/10/01/how-to-understand-global-spread-of-political-polarization-pub-79893), acessado em 17 de Abril de 2021.

³Correio Braziliense, Brasília, 02 de junho de 2020 disponível em (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/02/interna_politica,860190/maior-polarizacao-e-tensao-politica-colocam-democracia-a-prova-no-bras.shtml), acessado em 17 de Abril de 2021.

4Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de dezembro de 2013 disponível em (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1390207-manifestacoes-nao-foram-pelos-20-centavos.shtml), acessado em 17 de Abril de 2021.

5BBC Brasil, Londres, 16 de Abril de 2018 disponível em (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43715049), acessado em 17 de Abril de 2021.

Bibliografia 

HARARI, Yuval, Homo Deus, 1ª Edição, Israel, Editora Companhia das Letras, 2016.

HARARI, Yuval,  21 lições para o século 21, 1ª Edição, Israel, Editora Companhia das Letras, 2018.

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