Do Urânio à Inteligência Artificial: A Nova Aliança Energética do Capitalismo de Dados
Disciplina: Redes Sociais e Virtuais
Autor: Vitor de Gaspari Ramos
Matrícula: 21105675
1. Introdução
O século XXI assiste a uma convergência inédita entre dois dos sistemas mais potentes criados pela humanidade: a energia nuclear e a inteligência artificial (IA). Essa relação não é meramente técnica, mas atravessada por disputas econômicas, geopolíticas e éticas. Conforme a demanda energética das redes neurais cresce em escala exponencial, a energia nuclear é reposicionada como solução para sustentar esse novo paradigma. Entretanto, será essa aliança tão promissora quanto parece? Ou estaríamos apenas substituindo um dilema por outro?
O objetivo deste artigo é analisar criticamente o uso crescente da energia nuclear como suporte à infraestrutura computacional de softwares de IA.
2. Desenvolvimento
2.1 A explosão energética da inteligência artificial
A evolução da IA não tem sido apenas um salto qualitativo na automação cognitiva, mas também uma intensificação brutal do consumo energético global. Treinar modelos como o GPT-4, por exemplo, pode consumir até 1.287 MWh, o equivalente ao gasto mensal de milhares de residências. Esse padrão de consumo tende a crescer à medida que os algoritmos se tornam mais complexos e que sua aplicação se espalha para áreas como finanças, medicina, vigilância e educação.
Segundo a International Energy Agency (2023), os centros de dados e redes relacionadas à IA podem representar até 7% da demanda global de eletricidade em 2030. Em resposta, grandes empresas como Microsoft, Amazon e Google buscam fontes de energia mais estáveis e de baixa emissão de carbono. A energia nuclear, antes marginalizada por suas controvérsias, ressurge como solução “limpa” e confiável.
Segundo artigo do Financial Times (2024), o crescimento da inteligência artificial e sua imensa demanda energética surgiram como uma oportunidade estratégica para a indústria nuclear, especialmente no Ocidente, onde o setor estava estagnado. Empresas de tecnologia como Google, Amazon, Meta e Microsoft, os chamados "hyperscalers", estão buscando eletricidade contínua, de baixa emissão e em escala gigawatt para alimentar seus centros de dados e vencer o que a Meta chama de "guerra da IA".
Grandes bancos também manifestaram apoio ao setor nuclear durante um evento climático em Nova York, reconhecendo seu papel na transição energética. Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, afirmou na plataforma X que os centros de dados de IA serão construídos próximos a usinas nucleares. Chris Rees, da Meta, confirmou o forte interesse do setor. Recentemente, a Microsoft anunciou planos de reativar a usina de Three Mile Island, e a Amazon investiu US$ 650 milhões em um centro de dados próximo à usina nuclear de Susquehanna.
2.2 A volta do átomo: inovação ou retrocesso?
A nuclearização da infraestrutura digital representa uma guinada estratégica no capitalismo de dados. Microreatores nucleares modulares (SMRs), que oferecem geração contínua e controlada de energia, estão sendo desenvolvidos como solução para manter em operação ininterrupta os data centers das big techs (INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 2021). A promessa de segurança e descentralização energética é sedutora, mas carrega uma série de riscos.
Do ponto de vista técnico, embora os SMRs ofereçam maior controle e segurança passiva, ainda não há consenso internacional sobre sua viabilidade econômica em larga escala. Além disso, a destinação de rejeitos nucleares permanece uma lacuna crítica, com impactos de longo prazo sobre o meio ambiente (JACOBS, 2020). Ignorar esse custo ambiental, em nome da eficiência digital, é perpetuar uma lógica extrativista sob novo disfarce.
2.3 Poder, dados e urânio: implicações geopolíticas
Adotar a energia nuclear como suporte à IA não é apenas uma questão energética, mas também geopolítica. A concentração de urânio em regiões específicas do globo, como Níger, Cazaquistão e Austrália, reforça assimetrias econômicas e dependências coloniais disfarçadas de parceria (HECHT, 2012). Em paralelo, a expansão de reatores exige regulação internacional rígida para evitar a militarização de tecnologias civis, principalmente em contextos instáveis.
No plano político, assistimos a uma disputa entre China, EUA e União Europeia pela supremacia computacional, com IA e energia nuclear como armas estratégicas. A dualidade civil-militar da energia atômica torna essa corrida ainda mais perigosa, ao flertar com a lógica da dissuasão tecnológica: quem controla os dados, controla o mundo.
2.4 Uma crítica à solução fácil
A narrativa de que a energia nuclear é a resposta ideal à demanda energética da IA precisa ser desmistificada. Primeiro, porque parte da suposição de que o crescimento da IA é inevitável e desejável em qualquer custo, o que silencia debates sobre limites éticos, regulação e impactos sociais da automação.
Segundo, porque perpetua o modelo de hipercentralização tecnológica, no qual poucos conglomerados controlam tanto os meios de produção de conhecimento quanto a matriz energética que o sustenta. Ao invés de questionar a arquitetura predatória da IA comercial, opta-se por alimentá-la com a promessa do “nuclear limpo”, um oxímoro que esconde mais do que revela.
3. Conclusão
A aposta na energia nuclear como suporte à inteligência artificial representa mais do que uma transição energética: ela traduz a tentativa de manter, a todo custo, o crescimento exponencial de um modelo tecnológico voraz e desigual. Embora ofereça vantagens reais, como estabilidade energética e redução de carbono, essa escolha impõe dilemas profundos sobre justiça ambiental, riscos geopolíticos e o próprio futuro do digital.
É necessário ir além da engenharia e perguntar: que tipo de sociedade queremos construir com as tecnologias que criamos? Sustentar a IA com urânio pode parecer lógico do ponto de vista técnico, mas é insustentável se não for acompanhado de crítica, regulação e redistribuição.
Referências
IS NUCLEAR ENERGY THE ZERO‑CARBON ANSWER TO POWERING AI? Financial Times, 3 out. 2024. Disponível em: https://www.ft.com/content/477fa0d4-fdea-4235-b8af-9cabd64a81f0. Acesso em: 12 jun. 2025.
HECHT, G. Being Nuclear: Africans and the Global Uranium Trade. Cambridge: MIT Press, 2012.
INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY (IAEA). Advances in Small Modular Reactor Technology Developments: A Supplement to IAEA Advanced Reactors Information System (ARIS). Vienna: IAEA, 2021. Disponível em: https://aris.iaea.org/Publications/SMR_Book_2021.pdf. Acesso em: 12 jun. 2025.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Electricity 2024: Analysis and forecast to 2026. Paris: IEA, 2023. Disponível em: https://www.iea.org/reports/electricity-2024. Acesso em: 12 jun. 2025.
JACOBS, J. Nuclear Waste and Environmental Justice. Environmental Politics, v. 29, n. 4, p. 693-712, 2020.
Declaração de IA e tecnologias assistidas por IA no processo de escrita: durante a preparação deste trabalho, os autores utilizaram ferramentas de IAG (ChatGPT) no processo de criação de planejamento, para aperfeiçoamento do texto e melhoria da legibilidade. Após o uso destas ferramentas, o texto foi revisado, editado e o conteúdo está em conformidade com o método científico. O autor Vitor de Gaspari Ramos assume total responsabilidade pelo conteúdo da publicação.
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