Universidade Federal de Santa Catarina EGC- Redes Sociais e Virtuais Autor: Matheus Adriano dos Santos
Quando a máquina copia o artista
O uso de inteligência artificial (IA) para gerar imagens e obras de arte tem se tornado uma tendência crescente em ambientes digitais. Ferramentas como Midjourney, DALL·E e Stable Diffusion oferecem a possibilidade de criar uma ilustração, cenário ou personagem com apenas algumas palavras. O impacto dessa tecnologia no campo visual tem sido celebrado por muitos como uma revolução da criatividade. No entanto, por trás da praticidade e do encantamento, há um problema grave sendo discutido por artistas e profissionais da imagem: o uso não autorizado de suas obras como matéria-prima para treinar esses sistemas de IA.
Ao serem alimentadas com milhões de imagens coletadas da internet, muitas dessas ferramentas acabam reproduzindo estilos específicos de artistas vivos e atuantes, sendo elas sem consentimento, sem remuneração e, principalmente, sem crédito (Porterfield, 2025). Isso levantou um debate urgente sobre autoria, ética digital e os limites entre inovação e plágio.
O que é arte generativa por IA?
A arte generativa pode ser compreendida como uma prática em que o artista recorre a sistemas com certo grau de autonomia — como programas de computador, máquinas ou conjuntos de regras —, os quais contribuem para a criação ou resultam diretamente em obras artísticas (Galanter, 2003). No caso da IA, a criação ocorre após um processo de machine learning, onde o sistema é treinado com grandes volumes de dados (Marchi, 2023) — neste caso, imagens. Ferramentas como o Stable Diffusion foram treinadas com o uso de bases de dados como o LAION-5B, que inclui bilhões de imagens extraídas de sites como Pinterest, Instagram, ArtStation e portfólios pessoais (Taylor, 2024).
A partir desse treinamento, a IA aprende padrões visuais, composições, estilos e até detalhes técnicos como pinceladas e texturas (Nascimento, 2024). O problema é que boa parte desse material foi utilizada sem a devida autorização dos artistas (Porterfield, 2025). Muitos profissionais descobriram por acaso que seus estilos estavam sendo reproduzidos por IA — alguns, inclusive, viram “cópias estilizadas” de suas obras circulando em redes sociais com a assinatura de outra pessoa (Metz,2022).
Quando a tecnologia não é um aliado
A denúncia de plágio por parte de ilustradores e designers não é exagero. Nomes como o do artista polonês Greg Rutkowski se tornaram alguns dos mais requisitados nos comandos de IA. Segundo ele, seu nome já foi utilizado milhares de vezes por usuários que queriam reproduzir seu estilo nas imagens geradas por Midjourney (Heikkilä, 2022). “Os resultados estarão associados ao meu nome, mas não serão uma imagem minha. Não serão criados por mim. Isso vai gerar confusão para quem estiver descobrindo meus trabalhos”, declarou em uma reportagem da BBC (Hutchinson; John, 2023).
Essa prática, além de antiética, coloca em risco o próprio sustento de artistas digitais. Quando uma IA é capaz de gerar algo “parecido” com o trabalho de um profissional em poucos segundos, o mercado começa a preferir a velocidade da máquina ao tempo humano. Com isso, o artista original é apagado — literalmente — de processos criativos e negociações comerciais.
Criação ou apropriação?
Há quem defenda que a IA, ao misturar várias influências, não está plagiando, mas criando algo novo. No entanto, essa “mistura” se baseia em obras reais, feitas por pessoas reais, que investiram tempo, técnica e expressão em seus trabalhos. E, pior, muitas vezes a IA simula com precisão estilos específicos, o que não é muito diferente do que entendemos como apropriação indevida — ou plágio.
A artista Karla Ortiz, por exemplo, é uma das autoras da ação judicial coletiva contra empresas que desenvolveram IA generativas. Ela aponta que seus trabalhos foram utilizados sem qualquer aviso ou consentimento. A ação judicial não busca impedir a tecnologia, mas estabelecer regras claras e justas para seu uso (Salkowitz,2024).
Reações e tentativas de proteção
A mobilização dos artistas tem crescido. Em 2022, uma petição com milhares de assinaturas pediu à plataforma ArtStation que removesse imagens feitas por IA. Muitos passaram a adicionar frases como “Do Not AI” em suas obras, tentando impedir o uso em treinamentos futuros (Alecrim, 2022; Change, 2022). Algumas soluções tecnológicas começaram a surgir, como o site Have I Been Trained?, que permite aos artistas verificarem se suas imagens estão em datasets públicos de IA (Pereira, 2023).
Apesar dos avanços, o cenário ainda é frágil. Não há regulamentação clara sobre o uso de imagens para treinamento de IA, e os termos de uso de muitas plataformas continuam permitindo a coleta automatizada de conteúdo.
Conclusão: qual o valor da autoria no futuro digital?
Diante da crescente adoção de inteligências artificiais no campo da arte, torna-se evidente que a autoria continua sendo um valor central — não apenas do ponto de vista jurídico, mas também ético e cultural. Em um cenário onde máquinas podem simular estilos com impressionante fidelidade, o reconhecimento da autoria humana passa a ser ainda mais urgente. A prática de utilizar obras de artistas vivos como matéria-prima, sem consentimento ou remuneração, revela uma tensão entre inovação tecnológica e os direitos fundamentais de criadores. A autoria, nesse contexto, representa não apenas a origem de uma imagem, mas a trajetória, a identidade e o trabalho intelectual de quem a produziu.
Portanto, o futuro digital exigirá novas formas de garantir a integridade criativa, promover transparência nos processos de treinamento de IA e estabelecer limites claros entre criação e apropriação. Proteger a autoria não significa negar o avanço tecnológico, mas assegurar que ele ocorra de forma ética, justa e respeitosa com aqueles que dão vida à cultura visual contemporânea.
Referências:
GALANTER, Philip. What is Generative Art? Complexity theory as a context for art theory. International Conference on Generative Art, 2003, Milão, Itália. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/249885075_What_is_Generative_Art_Complexity_Theory_as_a_Context_for_Art_Theory. Acesso em: 10 jun. 2025.
HEIKKILÄ, Melissa. Este artista está dominando a arte gerada por IA. E ele não está nada feliz com isso. Techonogy Review, 2022. Disponível em: https://www.technologyreview.com/2022/09/16/1059598/this-artist-is-dominating-ai-generated-art-and-hes-not-happy-about-it/. Acesso em: 10 jun. 2025.
PORTERFIELD, Carlle. Artistas protestam contra leilão de arte feita com IA. CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/artistas-protestam-contra-leilao-de-arte-feita-com-ia/. Acesso em: 06 jun. 2025.
SALKOWITZ, Rob. Artist And Activist Karla Ortiz On The Battle To Preserve Humanity In Art. Forbes, 2024. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/robsalkowitz/2024/05/23/artist-and-activist-karla-ortiz-on-the-battle-to-preserve-humanity-in-art/. Acesso em: 06 jun. 2025.
TAYLOR, Josh. Photos of Australian children used in dataset to train AI, human rights group says. The Guardian, 2024. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/article/2024/jul/03/australian-children-used-ai-data-stability-midjourney?utm_source=chatgpt.com Acesso em: 06 jun. 2025.
Declaração de IA e tecnologias assistidas por IA no processo de escrita: durante a preparação deste trabalho, os autores utilizaram ferramentas de IAG (ChatGPT) no processo de criação de planejamento, para aperfeiçoamento do texto e melhoria da legibilidade. Após o uso destas ferramentas, o texto foi revisado, editado e o conteúdo está em conformidade com o método científico. O Autor Matheus Adriano dos Santos, assume total responsabilidade pelo conteúdo da publicação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário