Universidade Federal de Santa Catarina EGC- Ambientes Virtuais de Aprendizagem Autor: Matheus Adriano dos Santos
A promessa da criatividade instantânea
Vivemos a era do “prompt”. Com apenas algumas palavras, é possível gerar um poema, uma imagem ou até um vídeo completo com ferramentas baseadas em inteligência artificial (IA). O que antes levava horas de dedicação agora surge em segundos. Aplicativos como ChatGPT, Midjourney, Canva com recursos de IA, e até Runway para vídeos, vendem a ideia de que qualquer um pode ser criativo — basta clicar.
Mas essa facilidade toda levanta uma questão incômoda: será que estamos trocando profundidade por velocidade? Em um cenário onde tudo pode ser “criado” em segundos, o processo criativo perde valor — e a arte, seu significado.
Criatividade ou automação?
A criatividade, historicamente, tem sido concebida como um processo essencialmente humano, marcado pelo tempo, pela experimentação, pela expressão pessoal e pela influência da bagagem cultural. De acordo com Wechsler (1993), a criatividade trata-se de um fenômeno que resulta da interação entre processos cognitivos, traços de personalidade, fatores ambientais e elementos inconscientes. Ao delegar essa função a ferramentas automatizadas, surge um paradoxo: estamos criando ou apenas escolhendo entre opções feitas por um algoritmo?
Ferramentas de IA funcionam com base em bancos de dados imensos, nesse caso das imagens, os algoritmos aprendem com milhões de referências visuais da internet (Marchi, 2023). O usuário escreve um comando, como “cachorro vestido de astronauta em estilo barroco”, e a IA gera uma imagem a partir de padrões pré-existentes. O processo é automatizado, não intuitivo. E, muitas vezes, o resultado impressiona mais pela estética superficial do que por um significado real.
Fonte: Imagem gerada no ChatGPT.
A lógica da criação rápida alimenta uma cultura imediatista. Em vez de pensar, refletir, esboçar e amadurecer ideias, o usuário se vê estimulado a gerar e publicar — o mais rápido possível. É a estética da produção em massa. Posts bonitos, vídeos estilosos, capas chamativas. Mas por trás disso tudo, há pouco ou nenhum envolvimento criativo real.
Uma obra feita por IA não tem intenção, nem contexto. Ela não “sente” o que cria. Isso faz com que muitas dessas produções sejam visivelmente desprovidas de alma ou mensagem profunda. Em áreas como design gráfico, ilustração ou publicidade, isso pode até funcionar — mas quando falamos de arte como linguagem humana, a superficialidade se torna um problema.
Além disso, quando um texto ou imagem é gerado por IA, quem é o autor? A pessoa que deu o comando? O algoritmo? A empresa que desenvolveu a IA? Essa confusão impacta diretamente o conceito de autoria e de propriedade intelectual, pilares da produção criativa.
Fonte: Shutterstock
A armadilha do “qualquer um é criativo”
Sam Altman, CEO da OpenAI, defende que a arte gerada por inteligência artificial representa um avanço criativo significativo, ao permitir a democratização da produção artística. Segundo ele, a IA reduziu drasticamente as barreiras de entrada, tornando possível que qualquer pessoa, mesmo sem acesso a equipamentos caros ou conhecimentos técnicos avançados, possa criar e compartilhar arte apenas com um smartphone e uma ideia (Milagre, 2025). Para Altman, essa acessibilidade promove uma sociedade mais criativa e diversa, em que mais indivíduos podem participar ativamente da criação cultural.
Vender a ideia de que “todo mundo pode criar” é bonito no discurso, mas perigoso na prática. Isso porque, ao reduzir a criatividade a um botão de gerar conteúdo, desvalorizamos o trabalho de quem constroi algo com estudo, técnica e originalidade. O que era um processo formativo e identitário vira um mero ato de consumo digital. Mais grave ainda: a dependência de ferramentas automáticas pode atrofiar a própria capacidade criativa das pessoas. Se tudo pode ser resolvido com um clique, por que se esforçar para aprender, experimentar ou desenvolver um estilo próprio?
Criar com intenção ainda importa
Isso não significa que a tecnologia deva ser rejeitada. Pelo contrário: ferramentas de inteligência artificial podem se tornar grandes aliadas nos processos criativos, ampliando possibilidades, otimizando tarefas técnicas e permitindo que artistas explorem novas linguagens e formas de expressão (Redu, 2025). A questão central, no entanto, está no modo como essas ferramentas são utilizadas. O problema emerge quando o uso da IA substitui o processo reflexivo da criação pela mera geração automática, transformando o ato de criar em um clique impessoal, em vez de uma construção significativa.
Segundo Panofsky (1979), a experiência estética proporcionada por uma obra de arte está diretamente relacionada não apenas à sensibilidade e ao preparo visual do observador, mas também ao repertório cultural que ele possui. A arte, em seu sentido mais profundo, carrega traços do sujeito criador — suas vivências, ideias, desejos e angústias.
Quando esse elemento é perdido, o que se produz pode até parecer arte, mas carece da densidade que caracteriza uma obra autêntica. A tecnologia, portanto, não é um fim em si mesma, mas uma ferramenta que só adquire valor real quando integrada a um processo criativo intencional. Nesse cenário, o papel do artista não desaparece — ao contrário, torna-se ainda mais necessário para orientar, criticar e ressignificar o que é produzido em meio ao fluxo automatizado do digital.
Referências:
WECHSLER, S. M. Criatividade: descobrindo e encorajando. Campinas: Editora Psy,1993.
MARCHI, Amadeu José; FONSECA, Maurício Zazeri; BODÊ, Jonas. Machine learning: aplicabilidade em monitoramento de redes. In: FatecSeg-Congresso de Segurança da Informação. 2023.
MILAGRE, Rafael. Sam Altman: IA Na Arte É Uma Revolução Democrática E Acessível. Milagre Digital, 2025. Disponível em: https://milagredigital.com/ia-na-arte-revolucao-acessivel/. Acesso em: 6 jun. 2025
PANOFSKY, Erwin – Significado das Artes Visuais. 2.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1979
REDU. Criatividade na Era da Inteligência Artificial: Riscos ou Possibilidades? Redu, 2025. Disponível em: https://redu.digital/2025/04/25/criatividade-na-era-da-inteligencia-artificial-riscos-ou-ossibilidades/. Acesso em: 6 jun. 2025. Declaração de IA e tecnologias assistidas por IA no processo de escrita: durante a preparação deste trabalho, os autores utilizaram ferramentas de IAG (ChatGPT) no processo de criação de imagem, planejamento, para aperfeiçoamento do texto e melhoria da legibilidade. Após o uso destas ferramentas, o texto foi revisado, editado e o conteúdo está em conformidade com o método científico. O Autor Matheus Adriano dos Santos, assume total responsabilidade pelo conteúdo da publicação.
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