quinta-feira, 29 de outubro de 2020

AS BARREIRAS AO ENSINO DURANTE A PANDEMIA

AS BARREIRAS AO ENSINO DURANTE A PANDEMIA

Por: Mateus Victor Cassol Fronza (UFSC)

    O debate sobre a educação é assunto antigo no Brasil, a escolha de um método de ensino efetivo e convidativo à aprendizagem é um grande desafio. Uma das modificações que 2020 trouxe foi que a pandemia provocou, até em quem pouco se interessava pelo tema, dúvidas e questionamentos sobre como se adaptar frente ao desafio que bate à porta

    Em meio aos inúmeros desafios à aprendizagem, somam-se a eles barreiras como o isolamento social, a necessidade da reformulação de um método, o compromisso do cumprimento da prerrogativa legal de ofertar acesso amplo, a luta contra a intensificação da evasão escolar, entre outros obstáculos. Antes mesmo de ensaiar sobre a realidade do ensino em períodos de pandemia, é necessário que ocorra um debate sobre como chegamos aqui, isto é, a situação da educação que o Brasil enfrentava antes de 2020.

    Desta forma, esse artigo fará uma discussão sobre as dificuldades do ensino em tempos de pandemia. Tangendo, primeiramente, barreiras históricas do acesso à educação, para depois apresentar sobre os empecilhos durante pandemia e considerações sobre a nova realidade.

DIFICULDADES ALÉM DA EDUCAÇÃO

A discussão das dificuldades na educação não começa e nem se encerra no método de ensino. O primeiro ponto a ser levantado é sobre o acesso desigual à educação. Via de regra, a educação é garantia de todo brasileiro e brasileira, conforme o Art. 205 da Constituição de 1988 apresenta: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CRFB, 1988). 

Apesar da legalidade da proposta, isso não se aplica à realidade da população. A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua de 2019 revelou recentemente que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no Brasil é de 6,6%. Sendo que nessa conta, o Sul e Sudeste têm a taxa no patamar de 3,3% e o Nordeste com expressivos 13,9%. A figura abaixo, retirada da reportagem, apresenta o caso: 

As consequências do analfabetismo ocasionando problemas no país como um todo, não ficando restrito somente às pessoas que se enquadram na categoria. As dificuldades são tais como dificuldades de participar de processos decisórios no país, a dificuldade na qualificação da mão de obra e o grande preconceito que sofrem, tal como a reportagem de Edu Carvalho apresenta. No documento, os relatos de Vital Didonet, assessor da Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP), nos mostram que os analfabetos sofrem inúmeros preconceitos, isso gera um sentimento que fere a autoimagem dos cidadãos. São recorrente também os relatos das dificuldades para encontrar emprego, acabando por trabalharem em vagas com piores condições. 

Além disso, o Quadro 1 representa os Dados do IBGE sobre a realidade da taxa de escolarização do Brasil. A informação apresenta um raio-x da condição de escolaridade brasileira e permite tirar algumas conclusões.

Quadro 1: Taxa (%) de escolarização (Brasil, 2019)

Fonte: IBGE (2020) 

Nota: A taxa de escolarização é o percentual de estudantes de determinada faixa etária no total de pessoas dessa mesma faixa etária.

O quadro nos apresenta a quantidade de pessoas que dentro de determinada faixa etária são escolarizadas. De 0 a 3 anos, que seriam uma parcela de crianças em creches, são 35,6%, o que abre margem sobre a preferência de alguns pais em não colocar os filhos lá. Assim, de 0 a 5 anos já pula para mais da metade das crianças escolarizadas (55,6%). É importante ressaltar que nessa faixa etária, onde o ensino é mais feito em creches, tem um fator que rotineiramente aparece no jornal: a falta de creches para as crianças, resultando na alocação em instituições que muitas vezes não têm a devida competência, sem mencionar a dificuldade dos pais para conseguirem conciliar o trabalho e o cuidado dos filhos. Tal realidade se apresenta através da pesquisa de 2018 do IBGE, onde afirmam que um terço das crianças de 0 a 3 anos mais pobres do Brasil está fora da creche por falta de vaga

Dessa forma, nos primeiros anos de aprendizagem já começa um ensino deficitário, que pode acarretar consequências graves nos anos subsequentes. Além disso, explicita o privilégio e uma raiz da desigualdade já nesse momento, os filhos das classes mais altas conseguem garantir vagas em locais que em geral são mais bem estruturados para a educação, com melhores infraestrutura e com uma equipe maior. 

Chama a atenção também que há uma taxa relativamente alta até 14 anos, mas após isso é uma tendência de queda. Ou seja, muitos vão ao colégio, uma parcela menor conclui e uma minoria consegue ascender ao ensino superior. Os dados do IBGE afirmam que a taxa de escolarização brasileira é de 26,9% da população. 

Além da dificuldade de ingressar na escola, outro grande problema é a evasão do ensino. A reportagem de Danniel Barbosa (2017) apresenta que distanciamento da escola tem algumas causas:

  • O acesso limitado à escola. Seja pela ausência de vagas ou pelo transporte público que é precário, insuficiente ou até não inexistente;

  • Muitos alunos abandonam a escola devido às necessidades especiais não atendidas corretamente, sejam elas limitações físicas, doenças, algum tipo de deficiência ou outras;

  • Gravidez precoce, tal qual os programas de conscientização incipientes e que forçam o abandono escolar;

  • A necessidade de complementar a renda da família ou a escolha própria do jovem, geralmente com 17 anos ou mais, por procurar trabalho e que acaba o distanciando da escola;

  • Entre outros.

Por fim, tem a questão do acesso ao ensino superior. A migração para um ensino remoto, em detrimento ao presencial, escancarou um velho dilema brasileiro: a desigualdade social. Não é preciso uma análise detalhada para entender que nas instituições privadas de ensino de base - isto é, as crianças e adolescentes - estão as pessoas mais avantajadas financeiramente, ao passo que nas públicas estão menos. No ensino superior a realidade é um pouco diferente, pois os mais ricos acessam os melhores colégios e cursinho, assim, conseguem entrar em melhores universidades, que por sua vez são majoritariamente públicas. Apesar disso, a desigualdade não é finalizada no ensino superior, o artigo intitulado “Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções” aborda a desigualdade, e sua continuidade, no ensino superior. Segundo Góes e Duque (2016): 

A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês estudar em universidade pública é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que têm uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública.

Todos esses fatores se materializam na análise do IBGE (2020) que traz o quadro do nível de instrução dos brasileiros e brasileiras com mais de 25 anos:

BARREIRAS IMPOSTAS PELA PANDEMIA

Uma vez compreendida as dificuldades escolares, também é necessário que sejam observadas as limitações interpostas pela pandemia do corona vírus. Os decretos foram em datas diferentes ao longo do Brasil, tal qual o aumento dos casos de doença, mas podemos inferir que foram em fevereiro e março. Desde então, crianças e adultos tiveram suas rotinas bruscamente impedidas, sendo postos, a primeiro momento, em casa e sem uma garantia de retorno ao ensino. Tempos depois, instituições de ensino, majoritariamente privadas, começaram a migrar para o ensino online.

Ao tentar fazer a migração de todo o ensino para o formato online, problemas de internet começaram a aparecer, é necessário lembrar que 46 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, segundo dados do IBGE informados na reportagem de Martha Raquel (2020). Desse total, 45% explicam que a falta de acesso acontece porque o serviço é muito caro e para 37% dessas pessoas, a falta do aparelho celular, computador ou tablet também é uma das razões. Assim, a limitação do acesso à educação ganhou mais um forte componente.

Além do despreparo em questão de infraestrutura, a construção do conhecimento também foi um dificultador. Do dia para a noite, os professores e professoras tiveram que reaprender a ensinar e os alunos se adaptar a uma nova forma aprender, sem muitas vezes um ambiente propício e sem uma linguagem adequada. Se para os adultos é difícil manter a concentração e o interesse em frente ao computador, para as crianças é ainda mais, em tão pouco tempo elas tiveram que entender que não veriam os colegas por um tempo e não poderiam mais brincar no parquinho. Há de se louvar as incansáveis tentativas de professores e professoras a fim de entreter e educar as crianças, mas, apesar de boas saídas, ainda é muito difícil manter crianças sentadas em frente ao aparelho eletrônico com a finalidade de ensiná-las. Isso pressupondo que o ambiente para todas é propício e não é mais um empecilho no processo de aprendizagem. O que definitivamente não é uma realidade.

    Toda essa revolução causada pelas condições biológicas traz à tona um debate sobre a forma de ensino, seja para adultos ou crianças. No caso das universidades e ensino médio, a forma de transmissão hierárquica do conhecimento, isto é, o professor acima do aluno e transmitindo de cima para baixo o conteúdo, torna-se ainda mais insustentável num momento assim. Isso porque é muito incômodo e desagradável ficar apenas ouvindo conteúdos por horas, sem realmente questionar e debater a temática. Foram nesses momentos, de reformulação do conteúdo programático, que muitos professores começaram a fomentar mais debates em sala, até como uma forma de eliminar a sensação de isolamento, para então começarem a convidar todos à construção do conhecimento.

    Assim, a pandemia causou muitas mudanças na realidade - e isso não se centra somente na educação -, esse momento que se avizinha é uma situação de possível mudança do paradigma da educação. Tal que Nuricel Aguilera, em entrevista ao portal Terra, salienta

Todos os envolvidos com a educação, como professores, escolas, alunos, pensadores e educadores, devem participar desse processo de criação de um modelo de educação para substituir a abordagem tradicional, que é falha. Esse é, reforçando, o maior problema quando se tenta simplesmente replicar on-line um modelo com aulas padronizadas, centradas no professor, que compartimenta o saber em séries. Características que hoje não fazem mais sentido neste mundo tecnológico cheio de possibilidades.

Termos como sala de aula invertida reapareceram, ou ao menos ficaram mais evidentes, pois nessa nova forma de ensino é preciso que os alunos tenham um conhecimento prévio e em alguns momentos uma procura independente do conteúdo. Assim, a construção do ensino passa a ser responsabilidade mútua e igualitária entre o professor e o aluno.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema da educação no Brasil é um assunto complexo. O ensino, principalmente na base, é precário e deficitário, as pessoas não têm acesso ao mínimo e sofrem por decisões que muitas vezes não foram tomadas por elas. Somada a isso, veio a pandemia e dificultou mais. 

É preciso falar que esse momento ocasionou uma revisão forçada dos métodos de ensino, se notabilizou no debate a chance de trazer o estudante para o ponto central das aulas a fim de construir o ensino e ter o seu professor como guia. Apesar disso, o saldo é ainda muito negativo. Inúmeras pessoas perderam o emprego, o grau de endividamento aumentou e a saúde mental das pessoas, de maneira geral, ficou abalada. Tudo isso faz força contrária à disposição de continuar estudando.

Nesse momento, o Brasil paga por sucessivos erros ao longo da história. Tal como a desigualdade não estar em primeiro plano de ação e a educação não ter saído do folheto de propaganda política. A modernização na educação não acompanhou a necessidade e os investimentos se reduziram, as pessoas  já não tinham o acesso à educação e agora sofrem ainda mais com essa barreira.

Os efeitos da pandemia em nossas vidas só vão poder ser realmente contabilizados daqui alguns anos, porém já é sabido que a condição atual é sujeita a ocasionar prejuízos educacionais de difícil recuperação, que demandará tempo e dinheiro para atenuar as consequências. O que pode ser mais uma barreira para o progresso. 


REFERÊNCIAS


BARBOSA, Danniel. 14 causas do abandono escolar no Brasil. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/3jGz70S>. Acesso em: 23 out. 2020.


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Planalto, 1988. Disponível em: <https://bit.ly/31OsZxG>. Acesso em: 17 jun. 2020.


CARVALHO, Edu. Sem direitos: 28,2% da população não têm acesso à educação. Disponível em: <https://bit.ly/3oBsdOk>. Acesso em: 22 out. 2020.


IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conheça o Brasil - Educação. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/34BsqJe>. Acesso em: 21 out. 2020.


_____. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual – PNADC, 2020. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7138>. Acesso em: 20 out. 2020.


GÓES, Carlos; DUQUE, Daniel. Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções. 2016. Disponível em: <https://bit.ly/3mvc2jx>. Acesso em: 20 out. 2020.


RAQUEL, Martha. Quem são as pessoas que não têm acesso à internet no Brasil?: uma a cada cinco pessoas não tem internet própria e compartilha rede do vizinho. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/3mvK5rP>. Acesso em: 25 out. 2020


TERRA. A herança em mudanças de hábitos da pandemia na educação: Nuricel Aguilera, fundadora do Instituto Alpha Lumen, fala sobre as mudanças que a pandemia trouxe para a educação. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/34zvnda>. Acesso em: 22 out. 2020.


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