quinta-feira, 12 de junho de 2025

Ecoando Vozes: Do Gravador às Redes na Resistência Indígena ao Paradigma Integracionista

Ecoando Vozes: Do Gravador às Redes na Resistência Indígena ao Paradigma Integracionista

Disciplina: Redes Sociais e Virtuais
Autor: Enzo Lencioni Lovate
Matrícula: 21200010

 

Fonte: APIB (2023)

Uma das heranças mais marcantes no cotidiano dos povos indígenas deixada, ou melhor, imposta e perpetuada pela colonização no Brasil, é a ideia do paradigma integracionista. Uma ideia que assume que os povos indígenas, bem como demais povos tradicionais como quilombolas, devem ser assimilados ao padrão de vida da sociedade dominante, de uma forma que desconsidera diversidades de costumes, cosmologias, línguas, formas próprias de organização e conhecimento, e o próprio direito à demarcação e permanência em suas terras (MACHADO; RAIOL, 2024). Essa lógica sustenta o que Sawaia (2014) denomina de inclusão perversa, uma forma de inclusão que, embora aparente ser positiva, aprofunda desigualdades ao impor critérios que ignoram contextos históricos e estruturais de exclusão.


Junto a esse pacote colonizador, para além do próprio genocídio direto desses povos que ocorre desde a invasão às terras brasileiras em 1500, surgem questionamentos preconceituosos atualmente diante do uso de tecnologias, como as redes sociais, pelos povos indígenas. Questionamentos que partem de uma visão equivocada de que o indígena deve se manter isolado e alheio às ferramentas da modernidade. Esse olhar reducionista nega aos povos originários o direito à transformação, à comunicação e à reivindicação de seus direitos por meio das mídias digitais. Ao apropriarem-se criticamente das tecnologias, os povos indígenas não deixam de ser indígenas — ao contrário, utilizam essas ferramentas para fortalecer suas lutas, valorizar suas culturas, registrar suas histórias e denunciar as violências que continuam sofrendo. O uso das redes sociais, portanto, representa não uma contradição, mas uma estratégia contemporânea de resistência e reexistência.

Nesse sentido, o processo de apropriação das tecnologias pelos povos originários não é recente. Um marco histórico importante é a atuação de Mário Juruna, primeiro deputado federal indígena eleito no Brasil, em 1982. Juruna, do povo Xavante, empunhava um gravador como arma política, denunciando a hipocrisia dos parlamentares ao registrar promessas feitas e depois negadas. Sua atuação provocou incômodo nas elites políticas e midiáticas, sendo inicialmente exaltado como símbolo de autenticidade e depois ridicularizado, reforçando estereótipos de um “índio fora de lugar” no Congresso. Como aponta Graham (2011, p. 272, apud GOMES, 2021), “povos indígenas são particularmente vulneráveis à manipulação da imagem por causa de sua extrema marginalidade e relativa falta de poder [...]”.


Fonte: pdt.org

Na contemporaneidade, as vozes indígenas se multiplicam e ganham força por meio das redes digitais. Um exemplo notável é a própria Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), uma instância de aglutinação e referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada em 2005 durante o Acampamento Terra Livre (ATL), principal assembleia nacional dos povos indígenas do Brasil. A APIB surge da necessidade de unificação das lutas indígenas em nível nacional, fortalecendo as articulações entre organizações regionais, tendo assim como missão a promoção e defesa de direitos dos povos indígenas, em especial o direito à terra, à cultura e à autodeterminação.



Dentro desse cenário de resistência comunicacional, destaca-se também a Mídia Indígena, rede fundada em 2017 por Erisvan Bone Guajajara, que reúne jovens comunicadores indígenas de diversas etnias. A iniciativa atua como uma plataforma de resistência, contra-informação e afirmação identitária, rompendo com o silenciamento histórico imposto pelos meios tradicionais. Premiada internacionalmente, a Mídia Índia contribui para desconstruir estereótipos e difundir a diversidade das culturas indígenas brasileiras (APIB; IPRI, 2021, p. 135). Outro exemplo importante é o Cine Kurumin - Festival Internacional de Cinema Indígena, considerado uma janela relevante para a expressão da produção audiovisual indígena. 


Diante do histórico de silenciamento, exclusão e apagamento imposto aos povos indígenas, bem como ameaças do Marco Temporal e a atual aprovação Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, torna-se urgente reconhecer e valorizar as estratégias contemporâneas de resistência que esses povos têm protagonizado, especialmente por meio da apropriação crítica das tecnologias digitais. Hoje nosso país conta com avanços nas representatividades, como Sônia Guajajara, primeira ministra indígena da história do Brasil, Txai Suru, jovem liderança, ecoando vozes de seu povo na COP-26, Ailton Krenak ativista de referência internacional, entre tantos outros nomes. Contudo, mesmo diante de avanços, a resistência não é uma página virada na história. E como bem alerta o livro Amazônia Digital (Malini et al., 2009),  inclusão digital só será justa se for, antes de tudo, intercultural e emancipada da lógica colonizadora que ainda marca boa parte das políticas públicas no Brasil.








Referências


MACHADO, Amirele Porto; RAIOL, Raimundo Wilson Gama. A tecnologia como ferramenta para a luta indígena: decolonizando a internet. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, Encontro Virtual, v. 10, n. 1, p. 74–85, jan./jul. 2024. e-ISSN: 2526-0022


SAWAIA, B. (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 14 ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 

GOMES, Dhiogo Rezende. Ecos, tons e megapixels do modo Maíra: os Tentehar-Guajajara na guerra da comunicação no contexto da T.I Cana Brava. Anais da IX Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia, 2021.

GRAHAM, Laura R. Citando Mario Juruna: Imaginário linguístico e a transformação da voz indígena na imprensa brasileira. Mana, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 271–232, 2011.

APIB; IPRI. Uma anatomia das práticas de silenciamento indígena: relatório sobre criminalização e assédio de lideranças indígenas no Brasil. Brasília: APIB/IPRI, 2021.

MALINI, Fábio et al. (org.). Amazônia Digital: tecnologia, cultura e cidadania na era da informação. São Paulo: Peirópolis, 2009.

Declaração de IA e tecnologias assistidas por IA no processo de escrita: durante a preparação deste trabalho, o autor utilizou ferramentas de IAG (ChatGPT) no processo de planejamento, para aperfeiçoamento do texto e melhoria da legibilidade. Após o uso destas ferramentas, os textos foram revisados, editados e o conteúdo está em conformidade com o método científico. O autor assume total responsabilidade pelo conteúdo da publicação. 




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