quarta-feira, 11 de junho de 2025

Hits Instantâneos: Música, Redes Sociais e a Economia da Atenção


Ágata Nayama Flores (22101027).

Universidade Federal de Santa Catarina.

Disciplina: EGC5020 - Redes Sociais e Virtuais.


Trechos de músicas que viralizam em poucos segundos, coreografias reproduzidas por milhões de indivíduos e versões aceleradas que alcançam o topo das paradas antes mesmo de seus lançamentos oficiais: esse é o retrato atual do consumo musical e cultural, impulsionado pelas redes sociais, como o TikTok. De acordo com o Relatório de Música de Meio de Ano de 2024, elaborado pela Luminate, 84% das faixas que entraram na Billboard Global 200 naquele ano já haviam conquistado notoriedade na plataforma antes de seu lançamento comercial (BILLBOARD, 2025). Esse dado mostra como as redes sociais se consolidaram como vetores centrais na difusão de conteúdos moldados pelo engajamento.

Se, por um lado, essas plataformas ampliaram o acesso, permitindo a revelação de novos artistas e aproximando criadores e ouvintes, por outro, também instauraram uma lógica marcada pelo ritmo acelerado e pela alta "replicabilidade". Essa dinâmica determina o que é memorável no ambiente digital nos dias de hoje, priorizando conteúdos que capturam a atenção de maneira imediata, muitas vezes sem priorizar a profundidade e o caráter criativo que a arte pode expressar. Então, estaríamos assistindo à padronização da arte sob os moldes das redes sociais? 

Essa reflexão nos leva a considerar que, mais do que produtos culturais e artísticos, o bem mais disputado por essas plataformas talvez seja aquilo que nem sempre percebemos estar à venda: a nossa atenção.

O que é a Economia da Atenção?


Fonte: Forbes Brasil

A ideia de que a atenção é um recurso econômico surgiu ainda no século XX, cunhada pela primeira vez por Herbert Simon, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1978, em uma conferência de 1969. Para ele, vivemos em um cenário em que a informação é abundante, mas a atenção humana se torna escassaEsse conceito foi aprofundado ao longo dos anos por diversos pensadores, como Michael Goldhaber (1997), Georg Franck (1999) e Thomas Davenport e John Beck (2001), que ajudaram a consolidar a ideia da atenção como recurso econômico central no contexto digital. Mais recentemente, a pesquisadora Anna Bentesprofessora universitária e doutora em Comunicação e Cultura, oferece uma leitura crítica e atualizada desse fenômeno em seu livro Quase um Tique (2021).

Na obra, Bentes analisa como plataformas digitais mais recentes capturam, retêm e transformam nossa atenção em capital, utilizando para isso interfaces altamente persuasivas. Ela argumenta que não estamos simplesmente distraídos, mas sim enganchados em ciclos de uso contínuo, impulsionados pela promessa de visibilidade, pertencimento e recompensa. A economia da atenção, segundo sua análise, não se resume ao excesso de estímulos, mas à disputa constante por esse recurso limitado que sustenta modelos de negócio baseados em vigilância de dados, engajamento permanente e performance subjetiva.

As redes sociais são arquitetadas para prolongar ao máximo o tempo de uso, criando hábitos quase automáticos de engajamento. Quanto mais tempo passamos conectados, mais dados deixamos e mais valor é extraído de nossos comportamentos cotidianos. Mais do que o consumo em si, é o nosso tempo que se torna o verdadeiro produto dessa economia digital (BENTES, 2021). 

A aplicação do conceito na Indústria Fonográfica


 A música é um dos campos artísticos mais afetados por essa dinâmica de engajamento e viralização na atualidade. Com a popularização das plataformas que priorizam vídeos curtos e altamente engajáveis, a forma de produzir e consumir canções se transformou em comparação ao passado. Não é incomum que artistas atuais componham faixas pensando em trechos que viralizem em 15 segundos, com uma batida marcante, uma frase de efeito republicável ou um "drop" que combine com uma coreografia. 

Essa lógica é particularmente visível no TikTok, plataforma que se tornou um dos principais agentes de viralização na cultura digital contemporânea. Com foco em vídeos curtos e de fácil compartilhamento, o TikTok oferece ferramentas intuitivas de edição e um algoritmo altamente responsivo, que recomenda conteúdos personalizados com base nas interações de cada usuário. A experiência na plataforma é marcada por uma estética acelerada e altamente replicável, o que contribui diretamente para a transformação do consumo musical e para a criação de hits moldados pelo engajamento instantâneo (SILVA JÚNIOR, 2022).

Esse cenário favorece algumas padronizações musicais, como as chamadas "speed up songs", versões aceleradas de músicas já conhecidas que se adaptam perfeitamente ao ritmo veloz das redes. O relatório da Universal Music mostra como gravadoras já lançam álbuns inteiros nesse estilo, criando conteúdo sob medida para tornar-se popular nas redes sociais (PINTO e NOGUEIRA, 2024).

Esses padrões estão diretamente ligados à lógica da economia da atenção: músicas mais curtas, aceleradas e com maior apelo emocional têm mais chances de serem compartilhadas, usadas em trends e inseridas em playlists populares. O streaming e os vídeos curtos têm moldado o mercado fonográfico, forçando artistas a se adaptarem a um novo ecossistema digital (MARCHI, HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2022). 

Esses padrões também alteram a forma como o indivíduo consome e interage com as músicas lançadas. No TikTok, o ato de ouvir se mistura com o ato de produzir: os usuários dublam, dançam, remixam, reinterpretam. Essa lógica é sustentada por hábitos engancháveis, ou seja, comportamentos que se tornam automáticos, quase como um tique, levando as pessoas a interagir com o conteúdo o tempo todo. As pessoas deixam de consumir uma música de forma passiva, apenas pelo ato de consumir, elas adquirem um consumo performático (BENTES, 2021). 

A fronteira entre produtor e consumidor fica borrada. Um remix criado por um adolescente em casa pode transformar uma faixa esquecida em hit global. Foi o caso da cantora Connie Francis, que viu uma música de 1960 voltar aos holofotes depois de viralizar no TikTok (CNN BRASIL, 2024). Esse tipo de fenômeno mostra como a cultura do viral permite que qualquer um participe ativamente da criação do sucesso, desde que saiba capturar e prender a atenção do público.

O Impacto à Cultura


O fenômeno do viral, apesar de trazer à tona musicistas muitas vezes ignorados e revelar hits antigos ao mundo, também pode ter seus malefícios à cultura e à indústria fonográfica, sendo a padronização estética um dos mais importantes. Se a métrica principal é o engajamento, conteúdos que seguem fórmulas testadas tendem a se repetir: batidas aceleradas, refrões chicletes, imagens exageradas, coreografias fáceis de imitar. A música deixa de ser uma obra para se tornar um serviço ajustado às lógicas da publicidade comportamental e da vigilância de dados (CRUZ, 2016).

Além disso, o caráter passageiro domina. Um hit pode explodir em um dia e ser esquecido no seguinte, por esse motivo, o conteúdo precisa ser sempre "reinventado", gerando uma pressão constante por novidades e formatos prontos para viralizar. Isso pode esvaziar o sentido da criação artística, transformando-a em um ciclo contínuo de atenção e recompensa, que oferece ao ouvinte uma experiência superficial.

Há também um processo de estetização da experiência cotidiana, impulsionado pela lógica performática do TikTok. Silva Júnior (2021) observam que essa cultura de performance tende a reduzir a diversidade expressiva e a criatividade espontânea, já que os usuários se sentem pressionados a produzir conteúdos que “funcionem” dentro da lógica viral. Isso reforça a padronização cultural e aprofunda a relação entre engajamento e visibilidade.

Estamos diante de uma forma de subjetivação que estimula a produtividade contínua e o autocontrole, disfarçados de entretenimento. O usuário precisa estar sempre disponível, sempre criando, sempre atento à próxima trend, o que gera um ciclo que se alimenta da ansiedade e da comparação constante (BENTES, 2021). 

Por outro lado, também precisa-se observar o papel das plataformas em todo esse processo. Elas são, ao mesmo tempo, o palco e o segurança do show. Seus algoritmos definem o que é visto, quem aparece e por quanto tempo. Isso concentra poder em poucas empresas e tira autonomia tanto dos criadores quanto dos consumidores. Muitas vezes compartilhamos conteúdos que nem lemos ou ouvimos por completo, apenas porque o algoritmo nos sugeriu (ZAGO e SILVA, 2014).

Considerações Finais

A cultura digital vive um momento em que a atenção se tornou a moeda mais valorizada. Redes sociais como o TikTok determinam o modo como nos relacionamos com a música nos dias de hoje, transformando-a em fragmentos altamente compartilháveis, acelerados e performáticos. Nesse contexto, a lógica da economia da atenção não apenas influencia o comportamento dos usuários, mas molda profundamente a forma como arte é produzida, distribuída e consumida.

Se por um lado essa dinâmica oferece novas oportunidades de criação e visibilidade, por outro impõe um ritmo padronizado, pobre em diversidade cultural e significado, condenando não só o criador a um trade off entre expressão de criatividade e viralização, mas também os ouvintes, consumidores desse novo sistema, a um novo tipo de ritmo artificial. Cabe a nós, enquanto consumidores e produtores de cultura, refletir sobre essas transformações e buscar formas de engajamento mais críticas e conscientes diante à superficialidade que as redes sociais nos impuseram. 

Referências 

BENTES, Anna. Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2021.

BILLBOARD. Estudo mostra influência do TikTok nas paradas musicais globais. Billboard Brasil, São Paulo, 14 fev. 2025. Atualizado em 14 fev. 2025. Disponível em: <https://billboard.com.br/estudo-mostra-influencia-do-tiktok-nas-paradas-musicais-globais/>. Acesso em: 08 jun. 2025.

CRUZ, Leonardo Ribeiro da. Os novos modelos de negócio da música digital e a economia da atenção. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 109, pg 203-228, mai. 2016.

Júnior, F. M. M. (2021). TIKTOK E MÚSICA POP: RELAÇÕES ENTRE MÍDIA, PLATAFORMAS E PRODUÇÃO DE CONTEÚDO NO MEIO DIGITAL. TROPOS: COMUNICAÇÃO, SOCIEDADE E CULTURA (ISSN: 2358-212X), 10(1). Recuperado de https://teste-periodicos.ufac.br/index.php/tropos/article/view/4978. Acesso em 11 jun. 2025. 

MARCHI, Leonardo de; HERSCHMANN, Micael; KISCHINHEVSKY, Marcelo. Mudanças relevantes na indústria da música em tempos de pandemia – Plataformização e financeirização no streaming de áudio e vídeo. Revista EPTIC, Aracaju, v. 24, n. 2, p. 48–64, mai/ago. 2022.

MELGUISO, Juliana. Aos 87 anos, Connie Francis agradece após música viralizar no TikTok. CNN Brasil, 07 jun. 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/aos-87-anos-connie-francis-agradece-apos-musica-viralizar-no-tiktok/>. Acesso em: 08 jun. 2025.

PINTO, Raiane Cardoso; NOGUEIRA, Maria Alice de Faria. #SPEDUPSONGS, ECONOMIA DA ATENÇÃO E TIKTOK: A ESTRATÉGIA DE MÚSICAS ACELERADAS NA INDÚSTRIA MUSICAL GLOBAL. Comunicologia: Revista de Comunicação da Universidade Católica de Brasília, v. 17, pg 1-18, 2024.

ZAGO, Gabriela da Silva; SILVA, Ana Lúcia Migowski. Sites de Rede Social e Economia da Atenção: Circulação e Consumo de Informações no Facebook e no Twitter. Vozes e Diálogo, Itajaí, v. 13, n. 01, pag 05-17, jan/jun. 2014.


Declaração de IA e tecnologias assistidas por IA no processo de escrita: Eu, Ágata Nayama Flores, declaro que, na elaboração deste trabalho, utilizei a inteligência artificial ChatGPT como apoio para aprimorar o texto. Enviei ideias e trechos de minha autoria para que a IA reestruturasse, com o objetivo de melhorar a clareza, a organização e a coesão das informações. Além disso, as ferramentas foram utilizadas para automatizar tarefas como a formatação de referências conforme as normas da ABNT. Reforço que, após o uso dessas tecnologias, todo o conteúdo foi cuidadosamente revisado e editado por mim, assegurando sua adequação ao método científico. Assumo total responsabilidade pelo conteúdo final desta publicação.


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