Por Ioane Carlos Buffat
Graduando de Relações Internacionais - UFSC
Disciplina: Ambientes Virtuais de Aprendizagem
Graduando de Relações Internacionais - UFSC
Disciplina: Ambientes Virtuais de Aprendizagem
O berço da educação
É conveniado que a palavra educação provém não de
apenas um, mas de dois termos latinos, sejam eles educare e educere.
O primeiro destes significa “amamentar, criar, alimentar”. O segundo, “conduzir
para fora”. Disto se depreendem dois sentidos: educar é ofertar o alimento para
o crescimento de alguém e também conduzir para fora. Esta última noção sugere
duas compreensões: educar é mostrar o caminho para que o sujeito se desenvolva de
dentro para fora, e/ou também para que possa interagir de maneira saudável com
o ambiente externo, social (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).
Na história da humanidade, a educação se apresenta como
ferramenta de construção da subjetividade e da comunidade. Fá-lo construindo e
reconstruindo a cultura, construindo e democratizando saberes, evocando a
história, mitos e ritos e projetando sinais, linguagens, princípios e normas
que edificam a sociabilidade. A institucionalização da educação se dá em algum
momento da Idade Média, tendo a Igreja Católica como incumbente do processo
educativo. É só a partir do século XVIII que o Estado assume para si a função
de planificador da educação para o povo, concomitantemente à consolidação do
Estado-nação em seus moldes atuais. Desenvolvem-se, então, sistemas
educacionais nacionais. A estruturação do processo educativo está intimamente
ligada ao fortalecimento de uma sociedade cujos sustentáculos convergiam para o
desenvolvimento de um novo modo de produção, o capitalismo. As máquinas
precisavam de trabalhadores para manuseá-las e a qualificação destes não
poderia ser feita por melhor instituição do que a escola (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).
Portanto, o contexto de surgimento das escolas nacionais e
de seus respectivos sistemas educacionais é aquele do advento da “modernidade”:
o surgimento do Estado-nação; o desenvolvimento de um novo modo de produção
global que, em seu estado embrionário, constituiu-se do mercantilismo, e que arrematou
enquanto capitalismo; a concepção do método científico clássico e a
disseminação da subjetividade imanente a este, na qual o homem se percebe
enquanto observador externo à natureza, objeto de observação; a formação das
ciências sociais, ferramentas de legitimação da superioridade do Ocidente sobre
os demais povos do mundo e de naturalização de estruturas de dominação,
sustentadas pela ideia de “raça” (portanto, de características hierarquizantes
de origem biológica) e de uma teleologia na qual as sociedades europeias se
encontram no ápice do desenvolvimento humano. A escola devia cumprir seu papel
social, projetando no ideário dos educandos os deveres cívicos — obediência às
instituições, às leis, aos superiores hierárquicos, e reconhecimento da
propriedade particular — e formando-os enquanto força de trabalho a ser
consumida pelo mercado. A escola era essencial instrumento de naturalização
desse regime e de conformação do atual sistema-mundo capitalista (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013; LANDER, 2000).
A educação hoje
O modelo de educação tradicional hoje amplamente difundido é
também um modelo de educação intimamente ligado ao capitalismo. No passado sua
importante função foi a de naturalizar a dominação contemporânea, na medida
que, com o passar do tempo, tal estrutura passa a ser tida como algo congênito
à sociedade e perpétuo. Hoje, sua função é a de manutenção da ordem vigente. O
conhecimento difundido nas escolas tradicionais é resultado do racionalismo
fruto do Século das Luzes, pautado no conhecimento racional-científico. Isso se
reflete nas matérias da grade do plano de ensino, baseadas na divisão dos
campos da ciência. Tais matérias têm como finalidade a produção de força de
trabalho apta à inserção no mercado capitalista. O detentor do conhecimento é a
figura autoritária do professor, que deve transmiti-lo àqueles que não o
possuem, os “a-lunos” (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).
Dentro das teorias pedagógicas, existe uma corrente a que se dá o
nome de educação libertária. Basilarmente, ela é pensada para ser mais voltada
para o desenvolvimento individual de cada estudante, para ser mais flexível e
para dar espaço ao afetivo, quebrando o padrão massificante, rígido e puramente
racional do ensino tradicional. Nascida em meados do século XIX juntamente ao
movimento operário organizado, ela busca um tratamento individual cujo fim
almejado é o conhecimento per se (e, portanto, a liberdade em termos
platônicos). Oferece-se como uma forma de superação da alienação do homem pela
sociedade capitalista para que possa, quem sabe, promover uma transformação (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).
O quadro a seguir resume as principais diferenças entre a
educação libertária e a educação tradicional:
Educação tradicional
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Educação libertária
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O
conhecimento racional-científico desenvolvido nas escolas tradicionais tem
como finalidade produzir sujeito aptos à integração no mercado de trabalho,
conhecedores de técnicas aplicáveis em alguma profissão.
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O
objetivo da escola libertária é produzir sujeitos conhecedores de si mesmos, aptos
a se integrarem à comunidade e com conhecimento aplicável em diversas áreas
do saber.
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Na escola tradicional, o professor é visto como
detentor do conhecimento, cuja função é transmiti-lo para aqueles que não o
possuem, os alunos. Existe, portanto, uma relação unidirecional do processo
de ensino-aprendizagem.
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Na escola libertária, o professor possui o papel de mediador do
processo de aprendizagem, que se dará em concomitância com o desenvolvimento
individual dos estudantes. Todos são tidos enquanto detentores de
conhecimento, portanto há uma relação de troca mútua.
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A
escola tradicional é uma réplica da burocracia estatal, possuindo uma
burocracia intransponível na qual o aluno detém a posição inferior em termos
de voz e poder.
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A
escola libertária incentiva a participação e a democratização do ambiente
escolar, através de uma relação horizontal de participação nas decisões
administrativas, nas quais todos têm poder de voz e voto, independentemente
da idade.
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Na escola tradicional, os alunos devem seguir
estritamente a grade de matérias, sem levar em conta suas dificuldades,
afinidades e seu tempo individual de aprendizagem.
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Na escola libertária, a aprendizagem se dá em torno de temas de
interesse. Portanto, selecionado um tema afim para um grupo de estudantes
(por exemplo, carros), estudar-se-á a partir desse eixo central história,
geografia, matemática, física etc., permitindo que o processo de aprendizagem
seja mais cativante e proveitoso.
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Fonte: Tomazelli, 2013.
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs): qual a sua contribuição?

Conclusão
Há muitas chagas no sistema tradicional de educação. A ideia
aqui não é fornecer uma resposta absoluta para remediá-las, mas promover a
discussão através do fornecimento de possibilidades alternativas. Uma dessas
possibilidades é a educação libertária, que, como o nome já diz, não deprecia a
individualidade e as diferenças imanentes a ela. Busca, ao contrário, produzir
um conhecimento efetivo sobre si mesmo e sobre o entorno, inalienando da
aparente naturalidade do sistema-mundo capitalista ao redor para estimular a
liberdade cognitiva a respeito da realidade. Consoante a ela, o desenvolvimento
informático tem produzido cada vez mais modificações no paradigma educacional
tradicional, quebrando barreiras geográficas e mudando a estrutura relacional entre
professor e estudante. No sentido de promover mudanças no padrão vigente, ambas
as possibilidades precisam ser pensadas e, quem sabe, articuladas, combinadas, somadas
a outras que existam, a fim de promover um ensino mais eficiente em direção à
emancipação do homem.
Referências
LANDER, Edgardo. Ciencias sociales: saberes coloniales y
eurocéntricos. In: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias
sociales. CLACSO. Buenos Aires, 2000. p. 11-40.
PEREIRA, A. T. C.; SCHMITT, V.; DIAS, M. R. A. C. Ambientes
Virtuais de Aprendizagem.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú
Indígena, 13(29), p. 11-20, 1992.
SAMPAIO, C. M. A.; DOS SANTOS, M. S.; MESQUIDA, P. Do conceito
de educação à educação no neoliberalismo. Revista Diálogo Educacional,
Curitiba, v. 3, n. 7, p. 165-178, 2002.
TOMAZELLI, Maíra Siena. Vila-Escola Projeto de Gente: A
"Emergência" de uma Escola Libertária. 2013. 55 f. TCC (Graduação) -
Curso de Ciências Sociais, Centro de Ciências Sociais, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
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