quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Educação: novas perspectivas?

Por Ioane Carlos Buffat
Graduando de Relações Internacionais - UFSC
Disciplina: Ambientes Virtuais de Aprendizagem



O berço da educação

É conveniado que a palavra educação provém não de apenas um, mas de dois termos latinos, sejam eles educare e educere. O primeiro destes significa “amamentar, criar, alimentar”. O segundo, “conduzir para fora”. Disto se depreendem dois sentidos: educar é ofertar o alimento para o crescimento de alguém e também conduzir para fora. Esta última noção sugere duas compreensões: educar é mostrar o caminho para que o sujeito se desenvolva de dentro para fora, e/ou também para que possa interagir de maneira saudável com o ambiente externo, social (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).

Na história da humanidade, a educação se apresenta como ferramenta de construção da subjetividade e da comunidade. Fá-lo construindo e reconstruindo a cultura, construindo e democratizando saberes, evocando a história, mitos e ritos e projetando sinais, linguagens, princípios e normas que edificam a sociabilidade. A institucionalização da educação se dá em algum momento da Idade Média, tendo a Igreja Católica como incumbente do processo educativo. É só a partir do século XVIII que o Estado assume para si a função de planificador da educação para o povo, concomitantemente à consolidação do Estado-nação em seus moldes atuais. Desenvolvem-se, então, sistemas educacionais nacionais. A estruturação do processo educativo está intimamente ligada ao fortalecimento de uma sociedade cujos sustentáculos convergiam para o desenvolvimento de um novo modo de produção, o capitalismo. As máquinas precisavam de trabalhadores para manuseá-las e a qualificação destes não poderia ser feita por melhor instituição do que a escola (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).

Portanto, o contexto de surgimento das escolas nacionais e de seus respectivos sistemas educacionais é aquele do advento da “modernidade”: o surgimento do Estado-nação; o desenvolvimento de um novo modo de produção global que, em seu estado embrionário, constituiu-se do mercantilismo, e que arrematou enquanto capitalismo; a concepção do método científico clássico e a disseminação da subjetividade imanente a este, na qual o homem se percebe enquanto observador externo à natureza, objeto de observação; a formação das ciências sociais, ferramentas de legitimação da superioridade do Ocidente sobre os demais povos do mundo e de naturalização de estruturas de dominação, sustentadas pela ideia de “raça” (portanto, de características hierarquizantes de origem biológica) e de uma teleologia na qual as sociedades europeias se encontram no ápice do desenvolvimento humano. A escola devia cumprir seu papel social, projetando no ideário dos educandos os deveres cívicos — obediência às instituições, às leis, aos superiores hierárquicos, e reconhecimento da propriedade particular — e formando-os enquanto força de trabalho a ser consumida pelo mercado. A escola era essencial instrumento de naturalização desse regime e de conformação do atual sistema-mundo capitalista (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013; LANDER, 2000).


A educação hoje

O modelo de educação tradicional hoje amplamente difundido é também um modelo de educação intimamente ligado ao capitalismo. No passado sua importante função foi a de naturalizar a dominação contemporânea, na medida que, com o passar do tempo, tal estrutura passa a ser tida como algo congênito à sociedade e perpétuo. Hoje, sua função é a de manutenção da ordem vigente. O conhecimento difundido nas escolas tradicionais é resultado do racionalismo fruto do Século das Luzes, pautado no conhecimento racional-científico. Isso se reflete nas matérias da grade do plano de ensino, baseadas na divisão dos campos da ciência. Tais matérias têm como finalidade a produção de força de trabalho apta à inserção no mercado capitalista. O detentor do conhecimento é a figura autoritária do professor, que deve transmiti-lo àqueles que não o possuem, os “a-lunos” (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).
Dentro das teorias pedagógicas, existe uma corrente a que se dá o nome de educação libertária. Basilarmente, ela é pensada para ser mais voltada para o desenvolvimento individual de cada estudante, para ser mais flexível e para dar espaço ao afetivo, quebrando o padrão massificante, rígido e puramente racional do ensino tradicional. Nascida em meados do século XIX juntamente ao movimento operário organizado, ela busca um tratamento individual cujo fim almejado é o conhecimento per se (e, portanto, a liberdade em termos platônicos). Oferece-se como uma forma de superação da alienação do homem pela sociedade capitalista para que possa, quem sabe, promover uma transformação (SAMPAIO; DOS SANTOS; MESQUIDA, 2002; TOMAZELLI, 2013).

O quadro a seguir resume as principais diferenças entre a educação libertária e a educação tradicional:


Educação tradicional
Educação libertária
O conhecimento racional-científico desenvolvido nas escolas tradicionais tem como finalidade produzir sujeito aptos à integração no mercado de trabalho, conhecedores de técnicas aplicáveis em alguma profissão.
O objetivo da escola libertária é produzir sujeitos conhecedores de si mesmos, aptos a se integrarem à comunidade e com conhecimento aplicável em diversas áreas do saber.
Na escola tradicional, o professor é visto como detentor do conhecimento, cuja função é transmiti-lo para aqueles que não o possuem, os alunos. Existe, portanto, uma relação unidirecional do processo de ensino-aprendizagem.
Na escola libertária, o professor possui o papel de mediador do processo de aprendizagem, que se dará em concomitância com o desenvolvimento individual dos estudantes. Todos são tidos enquanto detentores de conhecimento, portanto há uma relação de troca mútua.
A escola tradicional é uma réplica da burocracia estatal, possuindo uma burocracia intransponível na qual o aluno detém a posição inferior em termos de voz e poder.
A escola libertária incentiva a participação e a democratização do ambiente escolar, através de uma relação horizontal de participação nas decisões administrativas, nas quais todos têm poder de voz e voto, independentemente da idade.
Na escola tradicional, os alunos devem seguir estritamente a grade de matérias, sem levar em conta suas dificuldades, afinidades e seu tempo individual de aprendizagem.
Na escola libertária, a aprendizagem se dá em torno de temas de interesse. Portanto, selecionado um tema afim para um grupo de estudantes (por exemplo, carros), estudar-se-á a partir desse eixo central história, geografia, matemática, física etc., permitindo que o processo de aprendizagem seja mais cativante e proveitoso.

Fonte: Tomazelli, 2013.


Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs): qual a sua contribuição?

Evidenciada uma alternativa de processo de aprendizagem mais pessoalizada e mais digna para com o desenvolvimento individual, vale igualmente pensar qual pode ser o papel das tecnologias da informática e da comunicação enquanto contribuintes. A partir dos anos 1990, o desenvolvimento, o barateamento e a popularização da internet e da Web possibilitaram o surgimento de AVAs. Mais do que somente uma mudança técnico-tecnológica no ensino, os AVAs têm potencial para tornar a aprendizagem mais dinâmica, ativa, personalizada e flexível. A própria ideia de sala de aula invertida que os acompanha produz uma quebra do padrão tradicional que concebe o professor enquanto ativo/transmissor e o estudante enquanto passivo/receptor através da tecnologia (PEREIRA; SCHMITT; DIAS, 1992).


Conclusão

Há muitas chagas no sistema tradicional de educação. A ideia aqui não é fornecer uma resposta absoluta para remediá-las, mas promover a discussão através do fornecimento de possibilidades alternativas. Uma dessas possibilidades é a educação libertária, que, como o nome já diz, não deprecia a individualidade e as diferenças imanentes a ela. Busca, ao contrário, produzir um conhecimento efetivo sobre si mesmo e sobre o entorno, inalienando da aparente naturalidade do sistema-mundo capitalista ao redor para estimular a liberdade cognitiva a respeito da realidade. Consoante a ela, o desenvolvimento informático tem produzido cada vez mais modificações no paradigma educacional tradicional, quebrando barreiras geográficas e mudando a estrutura relacional entre professor e estudante. No sentido de promover mudanças no padrão vigente, ambas as possibilidades precisam ser pensadas e, quem sabe, articuladas, combinadas, somadas a outras que existam, a fim de promover um ensino mais eficiente em direção à emancipação do homem.


Referências

LANDER, Edgardo. Ciencias sociales: saberes coloniales y eurocéntricos. In: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. CLACSO. Buenos Aires, 2000. p. 11-40.

PEREIRA, A. T. C.; SCHMITT, V.; DIAS, M. R. A. C. Ambientes Virtuais de Aprendizagem.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), p. 11-20, 1992.

SAMPAIO, C. M. A.; DOS SANTOS, M. S.; MESQUIDA, P. Do conceito de educação à educação no neoliberalismo. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 3, n. 7, p. 165-178, 2002.

TOMAZELLI, Maíra Siena. Vila-Escola Projeto de Gente: A "Emergência" de uma Escola Libertária. 2013. 55 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Sociais, Centro de Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

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