quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

UMA HERESIA AO SISTEMA BANCÁRIO: EMPRÉSTIMO DIRETO NA REDE
Por Lucas de Oliveira


A função dos bancos no Sistema Financeiro Nacional é criar e destruir moeda. A intermediação financeira entre os entes econômicos superavitários e os deficitários e sua velocidade é executada na prática pelos bancos e a taxa de juros será uma variante decisiva desta equação de movimento. Da relação entre o tomador de empréstimo e o dono do capital, será cobrada a taxa de juros e deverá remunerar o banco e o dono do capital.

Ocorre que uma variante vem ganhando espaço no ambiente de internet. Por meio de redes sociais organizadas, é possível encontrar milhares de operações diretas, entre quem pode emprestar e deseja tomar capital.

É uma revolução num sentido complexo do termo, já que a idéia social de revolução em geral carrega o peso de ser de “esquerda”, algo que em nada combinaria com bancos, empréstimos, capital, juros. Porém, como diz Muhamed Yunus, estamos num mundo em que para ganhar 1 dólar você precisa ter 1 dólar. Por isso o empréstimo de pequenas quantias podem representar um avanço no agregado.

Também não há limitações geográficas, o mercado de uma causa de empréstimo pode estar em qualquer lugar do mundo, não precisa estar confinada à limitação do bairro ou do lugar. Os vários sites que oferecem este serviço no mundo, tem encontrado um crescimento significativo, mas também enfrentado alguma repressão.
O caso da site fairplace é muito interessante.



A Polícia Federal foi acionada pelo Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários para apurar as atividades do site, porque tal abordagem poderia apresentar-se como uma agiotagem camuflada, ou como estelionato ou como crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

No caso da agiotagem é lícito o empréstimo (mútuo) entre pessoas físicas, no entanto, não é raro ver ações de execução promovidas por agiotas cobrando cheques descontados e não pagos por suas vítimas. A lei da usura em seu artigo 1º diz que “ é vedado e será punido” (…) “estipular em quaisquer contrato taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal – 12% a.a”. Emprestar dinheiro sem autorização do Banco Central mediante cobrança de juros é crime. Diz ainda no Art 4º: “Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) Cobrar Juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei *“.

No julgamento de tais processos, pela amplitude e arbitrariedades impostas ao tema (pois na prática, mesmo os juros cobrados no cheques especial, por exemplo, são extremamente abusivos) os juizes se complicam numa ginástica para explicar a um porque de ganho numa ou noutra causa contra a usura.

Obviamente o fairplace deve ter encerrado suas atividades, embora tenha em pouco tempo alcançado a marca de mais de um milhão e oitocentos mil empréstimos diretos, não há hoje na rede noticia atualizada e seu site não responde aos comandos. A polícia e a autoridade monetária nacional nem reconheceu a iniciativa nem avançou num marco regulatório que pudesse formatar a atividade.

A experiência do banqueiro dos pobres e ganhador do Nobel, Muhamed Yunus é extremamente interessante e embora se dirija a camada mais pobre da população muito pode ensinar para o ambiente virtual. Isso porque a virtude dos empréstimos concedidos pelo Grameen Bank (http://www.grameen-info.org) às pessoas que não podiam pedir ao sistema tradicional pois seus cadastros possuíam restrições ou de residência fixa, renda fixa, garantias contra o empréstimo, estava em abrir os olhos para a riqueza que existe mesmo entre os mais pobres, organizá-la, e ajudá-la a crescer.

No caso das redes sociais de empréstimos ocorre algo semelhante. Quando as pessoas pedem um empréstimo, explicam para o que desejam, qual é o seu projeto, como pretende ampliar o capital. Para que empresta, além do lucro, há algum sentimento que faça que o sujeito opte por A e não por B, talvez afinidade, segurança em relação a um tema, ou mesmo esoterismo. Ali no site, eles podem se encontrar perfeitamente, como um militante e uma causa.

Este conceito é interessante. Ajudar uma causa e ganhar com isso pode ser de alguma maneira uma outra forma de explicar este fenômeno de rede. Há também um site de empréstimos de coisas em geral entre um vizinho e outro (http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2015/03/site-tem-acucar-facilita-emprestimos-entre-vizinhos.html), que evocam alguma força de cooperação do passado primitivo humano e que de alguma maneira a rede ajuda neste movimento de isolamento e encontro.


Num País onde as taxas para cartão de crédito podem chegar a 232% ao ano, o empréstimo via rede direta pode até representar uma ameaça para os serviços bancários, em ultima instância? Os sites de empréstimo entre pessoas físicas desafia esta órbita (e estas taxas) colocando de lado o intermediário bancário, construindo uma nova lógica na relação entre o tomador e que concede o empréstimo.

Mas no Brasil parece que a história não andou. Também no resto do mundo houve uma desconfiança inicial, nos Estados Unidos até uma lei reprimindo depois suavizando. A onda apareceu por volta de 2006, quando os pioneiros do mercados, The Lenders Club e Prosper, começaram a operar. Até hoje, US$ 6 bilhões já foram emprestados por esses canais entre pessoas físicas. Os empréstimos vão de pequenas quantias até 35 mil reais, em algumas plataformas, e quem tem um dinheiro sobrando e está procurando uma boa oportunidade de faturamento, se candidata a emprestar a quantia. O pagamento é feito em parcelas e por intermédio destes sites. Os juros variam, na média, entre 4,75% a 7,98% (http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/mercado-digital/20141117/conheca-sites-que-fazem-emprestimo-internet/209291 ).



A mesma matéria faz referência ao risco existe para o lado do emprestador. “Se o usuário não pagar, ele fica com o prejuízo. Segundo o termo de condições, as plataformas se envolvem juridicamente apenas no caso de morte do emprestador”. Ou seja, diferentemente do banco, que assume e cobre o risco, o site não, no caso de inadimplência o que ocorre é que a parte prejudicada terá que se valer os caminhos normais (moroso) da justiça para tentar reaver pequenos e médios valores.

Uma atitude para preservar a segurança, segundo ainda a mesma matéria, é que “a identidade do emprestador e da pessoa que solicita o empréstimo não é aberta para evitar casos de interação entre os usuários, em caso de não pagamento”.

Porém a taxa de inadimplência é pequena, o que atraiu uma quantidade enorme de empresas interessadas a emprestar nas condições da modalidade da plataforma. “ Hoje, no entanto, entre 80% e 90% da quantia disponível para empréstimo dentro destas plataformas são de empresas financeiras de olho na oportunidade. Só o site Zopa aceita apenas pessoas físicas como emprestadoras”.


Ainda que esta atividade não tenha ganhado uma legislação própria é interessante se ater aos informes, particularmente para os pequenos e médios empreendedores que em geral precisam de pequenos investimentos que podem ter altas taxas de retorno, pois costumando captar tendências e/ou ter um tempo de prepara acurado.

Mesmo nos Estados Unidos, Iowa, Idaho, Maine, Dakota do Norte e Nebraska não permitem este tipo de transação, pelas fortes leis financeiras. Por outro lado temos vários exemplos de iniciativas prósperas na área.

O site www.prosper.com, por exemplo, já na entrada de tela apresenta mais de 5 bilhões de empréstimos atendendo a 250 milhões de pessoas.




Porém é dominado por pequenas empresas de empréstimo e conta com apenas cerca de 10% de pessoas físicas entre seus emprestadores.

O The Lending Club (www.lendingclub.com), também um dos pioneiros e concorrente do Prosper encontra-se na mesma condição, sendo tomado também como um negócio à vista que embora a beleza de sua filosofia primordial, pode simplesmente ser muito lucrativo também, como toda grande idéia.

Este movimento atraiu para si portanto empresas maiores que destinaram parte de seus recursos para investir neste novo tipo de negócio. Isso deve ter levado de imediato o mercado para cima, mas não temos elementos para afirmar que este crescimento tenha se sustentado e é necessário uma série temporal maior para poder ter conclusões mais cabais sobre as tendências futuras.



Já o Funding Circle  (www.fundingcircle.com) já assumiu diretamente sua condição de quase factory e passou a emprestar diretamente para pequenas e medias empresas. Por serem núcleos mais importantes no funcionamento da economia, estas pequenes e médias empresas consomem recursos de capital de giro num curto prazo com retornos interessantes, já que o pequeno empresário em geral está espremidos por compromissos no curto prazo e recebimentos no longo prazo, de forma que o empréstimo não tem preço neste momento, e o mercado sabedor destas nuances aproveita-se para cobrar taxas astronômicas que ainda assim recebem um tomador de empréstimo solenemente grato.



Um site de interesse direto para nós estudantes é o Sofi (www.sofi.com) especializado em renegociação de empréstimo para estudantes. A SoFi é uma importante instituição de crédito e a maior provedora de refinanciamento de empréstimos estudantis, com mais de $ 4 bilhões de dólares em empréstimos concedidos.

A diferença de instituições de crédito tradicionais, o método patenteado de subscrição leva em conta o mérito e o histórico empregatício, para oferecer produtos de crédito únicos, que nossos membros não irão obter em outras instituições. Oferecem ao investidor individual e institucionais a capacidade de criar um impacto social positivo nas comunidades com as quais se importam, ao mesmo tempo em que obtêm altas taxas de retorno.

Tal método começa a ser ampliado para empréstimos habitacionais, financiamentos de diversos tipos, alargando no ambiente institucional e meio engessado do mercado as possibilidades de oferecer certa diferenciação de cadastro à cadastro.

Daí a importância desta diversificação que começa a acontecer e que anuncia uma possibilidade de flexibilização de acesso ao capital.





Por fim o site Zopa (www.zopa.com) um dos poucos onde, obrigatoriamente, o emprestador precisa ser pessoa física e o movimento não está tão exposto à especulações. O Zopa une pessoas com dinheiro em caixa a outras que precisam de empréstimos de até 25 mil libras, o equivalente a cerca de R$ 80 mil.


Segundo informa época negócios (www.epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT80581-16642,00.html) “Hoje, 0,3% das transações são de pagadores inadimplentes. Depois de concluído o empréstimo, credor e devedor avaliam-se mutuamente, num sistema de reputação semelhante aos dos sites de comércio eletrônico, como o eBay. O Zopa tem hoje cerca de 260 mil membros no Reino Unido, e seu capital total pode chegar a 1,5 bilhão de libras disponíveis. O site cobra uma taxa de 118,50 libras por transação do devedor e 1% sobre o valor emprestado anualmente pelo credor, que tem um retorno de 9% a 12% por ano, após o desconto da comissão do site. O volume negociado mensalmente vem aumentando desde o segundo semestre de 2008. Em abril último, atingiu um total de empréstimos que chegou a 40 milhões de libras” .

Conclusões

A velocidade das trocas é fundamental na circulação das mercadorias e na geração de riqueza. Os empréstimos e alocações de recursos, quando dentro de uma regulamentação, podem servir ao planejamento estratégico das pessoas. O micro-crédito já demonstrou sua importância em vários exemplos de cooperação, bem como os crowdfunding, que surgem como modalidades diferentes de transferir recursos excedentes para fatores de produção demandantes do capital.
Estas novas tecnologias colocam para nós não apenas a responsabilidade de colaborar emprestando (e ganhando), mas de que cada vez mais o mundo do trabalho perde espaço para o mundo das idéias, e ter um projeto e ser capaz de executá-lo cada vez mais coloca capitais acessíveis as pessoas, complicando ainda mais velhos paradigmas da história econômica.

Oxalá as pessoas se apropriem destas ferramentas para mitigar seus sofrimentos e acalentar uma justiça, ainda que pueril, na distribuição de renda.

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